“É uma criança bonita de riso e natural. Limpa o nariz no braço direito, chapinha nas poças de água, colhe as flores e gosta delas e esquece-as. Atira pedras aos burros, rouba as frutas dos pomares e foge a chorar e a gritar dos cães.” O seu nome é Alberto e viaja lentamente pelos seus montes cerebrais, verdes de sonhos, brancos de pureza. Olha o infinito com as costas moldadas a uma macieira, roendo calmamente o fruto proibido que lhe permite saborear toda e qualquer paisagem como contempla o seu rebanho.
Hoje comemora-se o dia mundial da criança. Todos os desenhos animados ganham vida, os carros, as casas, os livros transformam-se em doces e até os adultos sorriem. O mundo hoje é dos pequeninos, das grandes vidas de palmo e meio que, por joelhos esfolados e lábios de chocolate, fazem acontecer a vida à sua própria maneira.
Hoje é dia de acordar de madrugada para ver os desenhos animados, dia de vestir o fato de super-herói e salvar uma cidade inteira, dia de chegar a casa a rir, a chorar de alegria! Dar um chuto numa bola, pedalar até ao infinito, cair num monte de areia, rebolar pelo jardim, andar de baloiço, subir a um escorrega, cantar, pentear uma boneca, construir aldeias de legos… É tempo de viver verdadeiramente, sem preocupações nem mentiras adultas. É tempo de encher um copo de nada, que é tudo! É tempo de fazer voar milhões de papelinhos de todas as cores com toda a inocência e ingenuidade que possamos encontrar dentro de nós.
Joana tem seis anos e gosta muito de ser criança. No entanto, há coisas que ela não compreende nos adultos. Mesmo assim, vive feliz na alegria que emana dos seus olhos azuis que, por vontade ou coincidência, têm a mesma cor do reflexo do mar.
A seu lado, brinca Simão. Um olhar meigo e dócil invade, sem aviso prévio, qualquer outro que não coloque trancas na porta. Mas assim é bom, é saudável, faz-nos sentir cada vez mais pequeninos e recordar aquela que um dia já fomos. Com oito anos, Simão vive enamorado com a sua consola de jogos portátil. As mãos sujas de terra dão lugar aos pequenos dedos que, numa eficácia hábil e imperceptível, constroem mundos dentro de uma pequena caixa de jogos.
O dia mundial da criança celebra-se anualmente no dia um de Junho. Após a Segunda Guerra Mundial, as crianças de todo o mundo enfrentavam imensas dificuldades, desde a deficiente alimentação à escassez de cuidados médicos. Para agravar, os pais tinham pouco dinheiro. Uma das soluções foi retirar os filhos da instrução escolar e fazer com que eles ajudassem em casa, trabalhando de sol a sol. Mais de metade das crianças europeias não sabia ler nem escrever.
Já em 1950, e perante esta situação de pobreza, a Federação Democrática Internacional das Mulheres propôs às Nações Unidas que se comemorasse um dia dedicado a todas as crianças do mundo.
Dessa forma, os Estados Membros das Nações Unidas reuniram-se e propuseram o primeiro dia de Junho como Dia Mundial da Criança. Houve, assim, o reconhecimento de que as crianças, independentemente da raça, cor, sexo, religião e origem nacional ou social, necessitam de cuidados e atenções especiais, precisam de ser compreendidas, preparadas e educadas de modo a terem possibilidades de usufruir de um futuro condigno e risonho.
Em 1989 foi elaborada, pelas Nações Unidas, uma Convenção sobre os Direitos da Criança, que teve em consideração, entre outros elementos, o teor indicado na Declaração dos Direitos da Criança, adoptada em 20 de Novembro de 1959, pela Assembleia Geral desta Organização, que dizia que “a criança, por motivo da sua falta de maturidade física e intelectual, tem necessidade de uma protecção e cuidados especiais...”.
A ONU reconheceu também que “em todos os países do mundo há crianças que vivem em condições particularmente difíceis e a quem importa assegurar uma atenção especial, tendo devidamente em conta a importância das tradições e valores culturais de cada povo para a protecção e o desenvolvimento harmonioso da criança e a importância da cooperação internacional para a melhoria das condições de vida das crianças em todos os países, em particular nos países em desenvolvimento.” Esta declaração é tão importante que em 1990 se tornou lei internacional.
O distrito de Coimbra comemora este dia de forma muito especial. Hoje, às 10h30 e 14h30, e com o apoio do Exploratório, Centro Ciência Viva de Coimbra, a companhia de teatro “Encerrado para Obras” apresenta no jardim do Exploratório (Casa Municipal da Cultura) a peça “Clones e Clowns”. A peça, criada por aquele grupo, ilustra uma temática extremamente actual e controversa – a clonagem – que se inscreve no tema dominante do novo Exploratório, “Ciências Básicas & Saúde”. A entrada é gratuita e destina-se a todos, crianças, jovens e adultos.
Por sua vez, o Museu da Ciência da Universidade de Coimbra celebra este dia através de actividades pedagógicas e lúdicas pensadas para os mais novos. O programa é diversificado e os vários ateliês são dirigidos a alunos do ensino pré-escolar e do 1º e 2º ciclo do ensino básico. Esta nova iniciativa pretende ser, segundo o Museu, “um instrumento de divulgação e interpretação de fenómenos científicos”, uma vez que aprender significa também recortar, pintar, desenhar, modelar e… brincar, numa palavra. É um pouco tudo isso que o Museu da Ciência propõe nos quatro ateliês temáticos que preparou para o Dia da Criança. Os meninos entre os quatro e os sete anos vão ficar a conhecer todas as características dos astros ao construir o “seu” sistema solar, com plasticina e outros materiais. E será que já sabem como o homem conquistou o ar e o espaço? Nada mais fácil com os OVIS (Objectos Voadores Identificados) do Museu: aviões a jacto, helicópteros e foguetões já não terão segredos para o jovem público, no fim da sessão de hoje.
Aos mais velhos (entre os sete e os 12 anos) serão propostos desafios ainda mais aliciantes, como descobrir quais as cores escondidas na tinta de um marcador, perceber o que compõe a luz branca ou saber como se acende uma lâmpada. As cores e a electricidade são dois fenómenos científicos de relevo que costumam suscitar a curiosidade das crianças.
Está na hora de ir deitar. Ouve-se, bem ao longe, uma música que cai do céu estrelado, flutuando no seu chapéu amarelo… O dia chega ao fim, e as palavras que saíram em cambalhotas pelas pontas dos meus dedos, transformam-se em leves bemóis que te sussurram ao ouvido: “Boa noite, sonhos lindos. Adeus, e até amanhã!”
A criança que pensa em fadas
A criança que pensa em fadas e acredita nas fadas
Age como um deus doente, mas como um deus.
Porque embora afirme que existe o que não existe
Sabe como é que as coisas existem, que é existindo,
Sabe que existir existe e não se explica,
Sabe que não há razão nenhuma para nada existir,
Sabe que ser é estar em algum ponto
Só não sabe que o pensamento não é um ponto qualquer.
Fernando Pessoa
André Pereira
O Despertar
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