A vida transformara-o num ser diferente. Havia quem lhe chamasse rei, presidente de um arquipélago ou simplesmente palhaço. À noite, sentava-se no sofá a ver repetidamente o genérico dos Simpsons. Fechava os olhos, pegava numa garrafa de álcool etílico e despejava-a sobre o seu cabelo demasiado amarelo para ser considerado louro. Os pés descalços em cima da mesa transmitiam um ar de elevada importância que em nada coincidia com o sofá torrado por um qualquer electrodoméstico. Aliás, não era bem “um qualquer” porque era alérgico a manteiga. Nas suas pequenas divisões brancas, apenas permitia a presença de rouxinóis, iogurtes de morango e de uma faca (colocada no primeiro patamar) que tinha como objectivo cortar todo e qualquer pacote de leite magro que se colocasse no seu caminho. Certa noite, o temido aconteceu. Nos jornais podia-se ler “Crime em 1º degrau”, “Assassino gelado”, etc. O leite esvaiou-se em sangue, porém, o cadáver apresentava ligeiras manchas verdes. “Era uma morte esperada”, disse o chefe de polícia, enquanto esperava a sua chávena de café que aquecia em lume brando.
André Pereira
Imagem: Direitos Reservados
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