O sol teima em não aparecer. Com os olhos pequeninos como duas avelãs acabadas de surgir, as capas que dão cor à mais profunda de todas as noites, constroem casulos de saudade espalhados pelas ruas de Coimbra. O Mondego transborda as margens e a cor da água que inunda a cidade é da cor de um qualquer petróleo mais viscoso e complexo que o seu próprio preço. Esse valor não é mais que um reflexo condicionado de um qualquer cão de laboratório. E esta ligação equacional é cerradamente encontrada nas capas e batinas pavlovianas daqueles que não querem deixar de ser o que lhes vive na alma, e no sítio de onde vem o sangue... e a saudade.
Em 1899 iniciou-se o “Centenário da Sebenta”, uma tentativa de réplica dos centenários comemorados entre 1880 e 1898, com o intuito de homenagear diversas figuras e factos. Estas iniciativas contavam com diversas actividades, entre elas, cortejo, fogo de artifício, sarau e touradas. Porém, estas formas de homenagem não eram as mais próprias, uma vez que deturpavam o verdadeiro significado das efemérides. Surge, desta forma, a ideia da realização de um centenário humorístico, ridicularizando os até então feitos, tomando por base a sebenta, compilação dos apontamentos do professor. O “Centenário da Sebenta” passa a ter, assim, um âmbito crítico de carácter geral e, simultaneamente, particular, já que se protestava contra a exploração dos sebenteiros. A estrutura de tal manifestação confinou-se a cortejos alegóricos e a um sarau. Tratava-se agora de desenvolver esta ideia, que veio dar origem à Queima das Fitas.
Nos anos que se seguiram, os estudantes do quarto ano de Direito organizam festas idênticas, introduzindo, no entanto, um aspecto inovador: o queimar das fitas que se usavam nas pastas e que eram indicadoras da sua condição de pré-finalistas.
Em 1905 realiza-se o “Enterro do Grau”, como consequência de uma reforma dos cursos universitários que mantinha os graus de Licenciado e Doutor e abolia o grau de Bacharel. Esta iniciativa fez com que a população de Coimbra participasse mais activamente nestas festas.
No dia 27 de Maio de 1913, os estudantes, envoltos num clima eufórico e irreverente, tiraram um boné a um guarda, gritando constantemente “Olha o boné!”. Este incidente teve uma relevante repercussão na época, fazendo deste dia o principal dos festejos.
Até 1919, houve períodos de paragem, devido às condições políticas, económicas e sociais da época, como por exemplo a proclamação da República e a Primeira Guerra Mundial. Desde esta altura que as festividades começaram a adquirir as características actuais. Pela primeira vez, os quintanistas de todas as faculdades celebraram em pleno a festa da Queima das Fitas, para além de se ter dado um passo importante para a sua sedimentação, como o surgimento da Garraiada (1929/30), a Venda da Pasta (1932), e o Baile de Gala (1933).
A alegria e cariz interventivo que a Queima respira rapidamente se alastra ao restante território nacional, atingindo níveis nunca antes alcançados por qualquer outra organização do género.
Em 1969, devido às crises estudantes, o luto académico anulou a realização da Queima das Fitas nesse ano.
O mesmo viria a acontecer após a Revolução dos Cravos. O suposto pensamento de que as razões estudantis não tinham agora nada que criticar rapidamente caiu por terra, como qualquer cravo murcho. Durante 11 anos, os estudantes não puderam festejar a Queima das Fitas. Esta voltaria às ruas da cidade em 1980.
A Queima das Fitas é o culminar de um trajecto de vivência coimbrã, onde os Quartanistas, Fitados e Veteranos assinam um contrato de não-esquecimento com a alma.
Este ano, a Comissão Organizativa da Queima das Fitas 2007 decidiu abraçar um novo projecto de Solidariedade, apoiando a “Comunidade São Francisco de Assis” e a “APPC”. Desde a recolha de livros e brinquedos até à realização de trabalhos de pintura, os utentes desta instituição são os receptores mais privilegiados do espírito académico. Nem as músicas de Rui Veloso nos farão recordar mais o nosso primeiro beijo que estes meninos que nunca esquecerão o primeiro brinquedo. O arquitecto de destinos interiores constrói outros que percorrem mentalmente as galerias destes verdadeiros seres.
O lema deste ano “108 anos de Praxe, Cultura e Desporto” retrata bem o que é a Queima das Fitas. Com eventos académicos, desportivos e culturais que duram há décadas, os estudantes continuam em movimentos perenes a desfilar pelos altos e baixos de uma cidade que não termina.
O coração bate cada vez com mais intensidade, as artérias e veias transportam cada vez mais sangue e o meu corpo adquire um rubor homogéneo que se alastra rapidamente. Fora de mim, algo faz vibrar os meus sentidos, sinto a pele arrepiada, as bolsas lacrimais a vibrarem... Tal como uma corda solta ou um simples acorde menor, o trémulo constante da minha alma absorve em catadupa os sonhos ouvidos. As fitas voam em direcção ao céu, como um arco-íris que não existe. O sol dá lugar à lua e a chuva não cai do alto das nuvens, verte pelas maçãs do rosto daqueles que sentem a saudade do que foram. Não há anticorpos para Coimbra!
Em 1899 iniciou-se o “Centenário da Sebenta”, uma tentativa de réplica dos centenários comemorados entre 1880 e 1898, com o intuito de homenagear diversas figuras e factos. Estas iniciativas contavam com diversas actividades, entre elas, cortejo, fogo de artifício, sarau e touradas. Porém, estas formas de homenagem não eram as mais próprias, uma vez que deturpavam o verdadeiro significado das efemérides. Surge, desta forma, a ideia da realização de um centenário humorístico, ridicularizando os até então feitos, tomando por base a sebenta, compilação dos apontamentos do professor. O “Centenário da Sebenta” passa a ter, assim, um âmbito crítico de carácter geral e, simultaneamente, particular, já que se protestava contra a exploração dos sebenteiros. A estrutura de tal manifestação confinou-se a cortejos alegóricos e a um sarau. Tratava-se agora de desenvolver esta ideia, que veio dar origem à Queima das Fitas.
Nos anos que se seguiram, os estudantes do quarto ano de Direito organizam festas idênticas, introduzindo, no entanto, um aspecto inovador: o queimar das fitas que se usavam nas pastas e que eram indicadoras da sua condição de pré-finalistas.
Em 1905 realiza-se o “Enterro do Grau”, como consequência de uma reforma dos cursos universitários que mantinha os graus de Licenciado e Doutor e abolia o grau de Bacharel. Esta iniciativa fez com que a população de Coimbra participasse mais activamente nestas festas.
No dia 27 de Maio de 1913, os estudantes, envoltos num clima eufórico e irreverente, tiraram um boné a um guarda, gritando constantemente “Olha o boné!”. Este incidente teve uma relevante repercussão na época, fazendo deste dia o principal dos festejos.
Até 1919, houve períodos de paragem, devido às condições políticas, económicas e sociais da época, como por exemplo a proclamação da República e a Primeira Guerra Mundial. Desde esta altura que as festividades começaram a adquirir as características actuais. Pela primeira vez, os quintanistas de todas as faculdades celebraram em pleno a festa da Queima das Fitas, para além de se ter dado um passo importante para a sua sedimentação, como o surgimento da Garraiada (1929/30), a Venda da Pasta (1932), e o Baile de Gala (1933).
A alegria e cariz interventivo que a Queima respira rapidamente se alastra ao restante território nacional, atingindo níveis nunca antes alcançados por qualquer outra organização do género.
Em 1969, devido às crises estudantes, o luto académico anulou a realização da Queima das Fitas nesse ano.
O mesmo viria a acontecer após a Revolução dos Cravos. O suposto pensamento de que as razões estudantis não tinham agora nada que criticar rapidamente caiu por terra, como qualquer cravo murcho. Durante 11 anos, os estudantes não puderam festejar a Queima das Fitas. Esta voltaria às ruas da cidade em 1980.
A Queima das Fitas é o culminar de um trajecto de vivência coimbrã, onde os Quartanistas, Fitados e Veteranos assinam um contrato de não-esquecimento com a alma.
Este ano, a Comissão Organizativa da Queima das Fitas 2007 decidiu abraçar um novo projecto de Solidariedade, apoiando a “Comunidade São Francisco de Assis” e a “APPC”. Desde a recolha de livros e brinquedos até à realização de trabalhos de pintura, os utentes desta instituição são os receptores mais privilegiados do espírito académico. Nem as músicas de Rui Veloso nos farão recordar mais o nosso primeiro beijo que estes meninos que nunca esquecerão o primeiro brinquedo. O arquitecto de destinos interiores constrói outros que percorrem mentalmente as galerias destes verdadeiros seres.
O lema deste ano “108 anos de Praxe, Cultura e Desporto” retrata bem o que é a Queima das Fitas. Com eventos académicos, desportivos e culturais que duram há décadas, os estudantes continuam em movimentos perenes a desfilar pelos altos e baixos de uma cidade que não termina.
O coração bate cada vez com mais intensidade, as artérias e veias transportam cada vez mais sangue e o meu corpo adquire um rubor homogéneo que se alastra rapidamente. Fora de mim, algo faz vibrar os meus sentidos, sinto a pele arrepiada, as bolsas lacrimais a vibrarem... Tal como uma corda solta ou um simples acorde menor, o trémulo constante da minha alma absorve em catadupa os sonhos ouvidos. As fitas voam em direcção ao céu, como um arco-íris que não existe. O sol dá lugar à lua e a chuva não cai do alto das nuvens, verte pelas maçãs do rosto daqueles que sentem a saudade do que foram. Não há anticorpos para Coimbra!
André Pereira
O Despertar
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