Esta entrevista foi feita off-record uma vez que o entrevistado não pode ser ouvido oficialmente.
DF – Olá, senhor Silêncio. Desde já agradeço a sua disponibilidade para nos dar esta entrevista…
Silêncio – Não tem de quê… Eu estou sempre disponível, as pessoas é que muitas das vezes não sabem como me contactar…
DF – Comecemos pelo princípio… Que recordações guarda da sua infância?
Silêncio – Ora bem, eu nasci muito longe de Portugal… Num planeta muito distante, não pertencente a esta galáxia. Contudo, vim muito cedo para o planeta Terra e instalei-me aqui em Portugal. Durante muitos anos era muito apreciado, especialmente enquanto estava no poder um senhor que já foi referido numa das suas anteriores entrevistas… Como é meu hábito, recuso-me a dizer o seu nome. Vivi muito bem nessa altura, apesar de ser perturbado algumas (muito raras) vezes. Especificamente da minha infância, lembro-me de ver os conselhos do meu pai (não os podia ouvir porque ele não falava, era o Senhor Silêncio Absoluto) e de ler nos lábios de minha mãe as canções de embalar que utilizava para me adormecer (era a Senhora Caluda). Recordo-me ainda de ver na televisão um filme sobre o meu irmão, “O Silêncio dos Inocentes”.
DF – A partir de uma certa altura na sua vida, o seu papel na sociedade tendeu a diminuir. Encontra alguma razão para que isso tenha acontecido?
Silêncio – De há umas décadas para cá que noto que tenho sido enviado para segundo plano. As pessoas começaram a poder expressar-se mais livremente, a música começou a utilizar mais instrumentos e sons… Tudo mudou… Hoje em dia, vivemos num tempo muito agitado. Até mesmo o meu primo, o Pensamento, tem sofrido muito com estas alterações. Ninguém pára para pensar! E quando pensam que estão a pensar, fazem-no num ambiente de barulho… Barulho a todos os níveis: social, económico, financeiro…
DF – Há quem o critique pela sua apatia perante os problemas sociais…
Silêncio – Eu não posso emitir muitas opiniões, uma vez que não fui feito para dar opinião mas sim para pensar sobre o problema. Ando sempre com o meu primo… Reconheço que muitos utilizam o meu perfil para se defenderem… Quando não têm certeza do que pensam, escondem-se atrás da minha “imagem”. Se eu opinasse sobre os problemas sociais, deixaria de existir e de ter credibilidade. Preciso sempre de alguém que me ajude a prevalecer.
DF – Actualmente, que faz?
Silêncio – Bem, eu ando por aí a passear discretamente. Falo muitas vezes com quem me quer ouvir, contudo não sou bem interpretado por muita gente… O meu horário laboral é nocturno, apesar de, uma vez por outra, trabalhar de dia, por turnos. Mas é muito raro. E até de noite as coisas estão cada vez piores.
DF – Para além da sua actividade, que hobbies tem?
Silêncio – Desde muito pequenino que tenho uma grande paixão pelo fado. Apesar de não poder cantar, acompanho quem o faz. Sempre que alguém canta o fado, lá estou eu: “Silêncio, que se vai cantar o fado”.
DF – Muita gente fala de si, o que por um lado é positivo; por outro lado, esta fama a que está sujeito afasta-o da sociedade…
Silêncio – Sim, claro que sim. Eu mesmo, estando a conceder-lhe esta entrevista, estou a quebrar o meu Código Deontológico. Mas espero que não revistem o meu computador à procura de material sonoro… Aliás, poucas vezes utilizo o computador, os meus pertences estão todos arquivados em envelopes noves… Peço desculpa, em envelopes novos.
DF – Quais são as situações mais embaraçosas em que se encontrou até hoje?
Silêncio – É uma pergunta difícil de responder… Posso dizer que me desloco constantemente a todos os clubes de futebol, passo a vida numa correria muito stressante, especialmente quando há blackouts… Ultimamente tenho ido mais para o norte. Outro caso bastante mediático em que me encontrei envolvido como arguido foi o caso de abuso de menores na Casa Pia. Muitos são aqueles que me tentam comprar, muitos são os que me querem vender… Posso dizer que sou o principal acusado de o processo ainda não ter andado para a frente…
DF – Com estas suas afirmações, está a quebrar o silêncio?
Silêncio – Longe de mim prejudicar os meus familiares. Eu concedo-lhe esta entrevista mas espero que fique com o meu avô, no Silêncio dos Deuses. Caso contrário terei eu mesmo que o silenciar. Sabe, eu faço as coisas pela calada…
DF – Tem algum sonho que gostaria de ver concretizado?
Silêncio – Gostaria muito que as pessoas me ouvissem mais vezes. Sabe, eu sou essencial para fazer com que as pessoas sonhem. Sem o silêncio não há sonhos, mas o pior sonho das pessoas é o maior silêncio do mundo… a Morte! E depois lá vem o meu irmão mais pequenino meter-se convosco: o “Minuto de Silêncio”.
http://www.odespertar.com.pt/sartigo/index.php?x=1672
André Pereira
1 comentário:
O silencio é meu amigo.
Conheci-o quando criança, era divertido, misterioso, era alguém... sozinho como eu era.
Também não tinha irmãos, também vivia na rua, pois os pais trabalhavam então, até tarde.
Falávamos longas horas, quando todos os meninos, meus vizinhos iam jantar.
O tempo passou, ganhei irmãos, mudei de ama, envelheci, entrei para uma nova escola.
Novos amigos, novas brincadeiras, os pais também estavam mais presentes.
Perdi o silêncio algures numa rua perto de casa.
Culpa dos irmãos que o afugentavam para me chatear com a sua juventude.
O silêncio ajudou-me nas piores fases, beijava-me a boca quando enraivecido as pedras
chutava, e embalava-me nas noites mais escuras..
Envelheci, e o silêncio também.. Deixou de me acompanhar..
Ambos tinhamos planos para a vida, e ambos vimos que já não éramos o que havíamos sido.
Era hora de procurar novas companhias.
Reflexão, improvisação, adaptação, dominação...
Ainda hoje o vejo, de quando em quando por ruelas sombrias, às vezes no regresso a casa,..
Sei que mais cedo ou mais tarde, voltaremos a estar juntos..
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