A dor, que me tortura sem que eu tenha
Caminho ou alma para lhe fugir,
Parece que, ao tocar-me, me desdenha,
E só me toca p’ra o fazer sentir.
Um nojo, não de mim por minha dor,
Mas como que de minha dor por mim,
Jaz no fundo soez do meu rancor
Contra a dor sem razão que não tem fim.
E, neste circuito de dor e mágoa,
Não me encontro senão p’ra me odiar,
Como o viandante à noite ouve um som de água
Apenas para dele se afastar.
Caminho ou alma para lhe fugir,
Parece que, ao tocar-me, me desdenha,
E só me toca p’ra o fazer sentir.
Um nojo, não de mim por minha dor,
Mas como que de minha dor por mim,
Jaz no fundo soez do meu rancor
Contra a dor sem razão que não tem fim.
E, neste circuito de dor e mágoa,
Não me encontro senão p’ra me odiar,
Como o viandante à noite ouve um som de água
Apenas para dele se afastar.
Fernando Pessoa
Fotografia: Carla Salgueiro
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