quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

Queimados


Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...

(in Balada da Neve, Augusto Gil)

Esta fotografia retrata a fuga de crianças a um ataque aéreo de napalm à sua pequena aldeia. Estávamos em plena Guerra do Vietname, no dia 8 de Junho de 1972, quando Nick Ut capta, de forma absolutamente nua e crua, o horror sentido por estas crianças que tinham acabado de perder grande parte da sua família. Até hoje, esta imagem é lembrada como uma das mais terríveis da Guerra do Vietname.

Nick Ut (Ut Cong Huynh), nascido no Vietname do Sul, entrou para a Associated Press, em Saigão, no ano de 1966, cobrindo os últimos anos da Guerra do Vietname. Após o conflito, continuou a trabalhar para a Associated Press em Tóquio transferindo-se, posteriormente, para Los Angeles. A sua carreira como fotojornalista fica marcada, claramente, pelo dia 8 de Junho de 1972 quando fotografou Kim Phuc, uma criança de apenas 9 anos, correndo e gritando nua pela estrada fora. Esta fotografia obteve todos os prémios de 1973, incluindo o Prémio Pulitzer, o Prémio George Polk Memorial, o Overseas Press Club e o National Press Club.

A vida da menina de nove anos iria mudar para sempre. Hoje, 34 anos depois, Kim Phuc vive no Canadá com os seus filhos e é Embaixatriz da Boa Vontade da UNESCO. Recorda, com muita revolta e tristeza, aquele fatídico dia. “Eu me lembro que tinha 9 anos, era apenas uma menina. Naquela noite, a nossa povoação tinha ouvido que os vietcongues viriam e que queriam usar a aldeia como base. Já de dia, eles vieram e iniciaram os combates.

Nós estávamos muito assustados. A minha família decidiu procurar abrigo num templo, porque nós acreditávamos que lá era um lugar sagrado e estaríamos a salvo. Eu não cheguei a ver a explosão da bomba de napalm; só me lembro que, de repente, estava rodeado de chamas. De repente, as minhas roupas começaram a arder, e eu sentia as chamas queimando o meu corpo, especialmente o meu braço. Naquele momento, passou-me pela cabeça que ficaria feia por causa das queimaduras, acabando por nunca me tornar numa rapariga como todas as outras. Estava apavorada, porque não via ninguém à minha volta. Não parava de chorar quando, milagrosamente, ao correr os meus pés não ficaram queimados. Só sei que eu comecei a correr, correr e correr. Os meus pais não conseguiriam escapar do fogo, e decidiram voltar para o templo. A minha tia e dois dos meus primos morreram. Um deles tinha 3 anos e o outro apenas 9 meses.”

Após o disparo de Ut, este despejou água para o corpo nu de Kim Phuc e apressou-se a levá-la para o hospital. Chegados ao hospital, Ut dirigiu-se imediatamente para uma sala escura para revelar as fotografias. Os seus pais viriam mais tarde a encontrá-la no hospital. Após 14 meses no centro hospitalar de Saigão (transferida posteriormente) e 17 cirurgias para curar as queimaduras de primeiro grau (metade do corpo ficou queimada), Kim Phuc começou a pensar em como poderia ajudar as pessoas.

“Os meus pais guardaram a foto, que tinha saído num jornal, e depois mostraram-ma: "Esta és tu", disseram eles. Eu não pude acreditar pois era uma foto aterradora. Todas as pessoas deveriam ver esta foto, mesmo hoje, porque mostra claramente como uma guerra é terrível para as crianças. Basta ver a foto, para as pessoas aprenderem.

Nick salvou a vida de Kim e mantiveram permanente contacto. "Kim Phuc é como minha filha".

“Oh, meu Deus, o que estamos a fazer?" Estas palavras pertencem à escritora Sally Quinn, filha de um general americano, traduzindo, desta forma, a perplexidade de milhões de seres humanos confrontados com a imagem eternizada pelo fotógrafo Nick Ut. Crianças vietnamitas da aldeia de Trang Bang fogem aterrorizadas, por uma auto-estrada, sob a chuva de napalm produzida por bombardeiros dos Estados Unidos.

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