sexta-feira, 5 de outubro de 2007

97 anos de República

“Lisboa amanheceu hoje ao som do troar da artilharia. Proclamada por importantes forças do exército, por toda a armada e auxiliada pelo concurso popular, a República tem hoje o seu primeiro dia de História. A marcha dos acontecimentos, até à hora em que escrevemos, permite alimentar toda a esperança de um definido triunfo [...] não se faz ideia do entusiasmo que corre na cidade. O povo está verdadeiramente louco de satisfação. Pode dizer-se que toda a população de Lisboa está na rua vitoriando a República.”

Jornal “O Mundo”, 5 de Outubro de 1910

O movimento revolucionário de 5 de Outubro de 1910 surgiu naturalmente como consequência de um conjunto de acções que construíam o panorama político da época. A contraposição entre os movimentos republicano e monárquico eram cada vez mais acentuados, com a Partido Republicano Português (PRP) a conseguir tirar partido de alguns factos históricos de repercussão popular. As comemorações do terceiro centenário da morte de Camões, em 1880, e o Ultimatum inglês, em 1890, foram aproveitados pelos defensores das doutrinas republicanas que se identificaram com os sentimentos nacionais e aspirações populares. Foram realizados diversos comícios, com vista a difundir os ideais republicanos. Elis Garcia, Manuel Arriaga, Magalhães Lima e Agostinho da Silva foram alguns dos oradores.

O terceiro centenário da morte de Camões foi comemorado de forma bastante simbólica. As ruas de Lisboa acolheram um enorme cortejo popular que ficou marcado pela festa e entusiasmo dos intervenientes. O poeta dos “Lusíadas” e o navegador Vasco da Gama foram trasladados para o Panteão Nacional, numa cerimónia de autêntica exaltação patriótica. A Sociedade de Geografia de Lisboa foi a autora da ideia destas comemorações, no entanto, a execução coube a uma comissão de representantes da Imprensa de Lisboa, constituída pelo Visconde de Jorumenha, Teófilo Braga, Ramalho Ortigão, Batalha Reis, Magalhães Lima e Pinheiro Chagas. Com isto, o Partido Republicano, ao qual pertenciam as figuras mais representativas da Comissão Executiva das comemorações do tricentenário camoneano, adquiriu uma enorme popularidade.

A Revolta Republicana

De um lado o General Manuel Rafael Gorjão Henriques, que comandava as forças monárquicas, do outro Machado Santos e as suas forças republicanas. A impotência do governo revelou-se pouco tempo depois, e a República era proclamada pelas forças vencedoras. Como consequência, D. Manuel II, que havia sucedido a D. Carlos I, era exilado para Londres.

Os dias 4 e 5 de Outubro de 1910 foram marcados pela revolta de militares da Marinha e do Exército, em Lisboa. Com o objectivo de derrubar a Monarquia, juntaram-se aos militares a Carbonária e as estruturas do Partido Republicano Português. Na tarde do dia 5 de Outubro, José Relvas, em nome do Directório do PRP, proclamou a República à varanda da Câmara Municipal de Lisboa. No dia 6 o novo regime foi proclamado no Porto e, nos dias seguintes, alargou-se ao resto do país.

A queda da Monarquia já era de esperar. Em 1908, D. Carlos e D. Luiz Filipe haviam sido assassinados por activistas republicanos. O reinado de D. Manuel II tentou acalmar o panorama político que se vivia, mas sem sucesso. Foi acusado de falta de firmeza e experiência, e de ser manipulado pela Rainha-mãe D. Maria Pia de Sabóia. Apesar de o 5 de Outubro não ter sido uma verdadeira revolução popular, mas essencialmente um golpe de estado centrado em Lisboa, a nova situação acabou por ser aceite no país e poucos acreditaram na possibilidade de um regresso à Monarquia.

Com o golpe de 5 de Outubro procedeu-se à substituição da bandeira nacional. O azul e branco da Monarquia foi substituído por um diferente leque de cores. O verde e vermelho ocupam a grande área da bandeira representando, respectivamente, a esperança e o sangue de todos os heróis portugueses. A esfera armilar, colocada no centro da bandeira, simboliza a época áurea dos Descobrimentos. Por sua vez, os sete castelos representam os primeiros castelos conquistados por D. Afonso Henriques. As cinco quinas significam os cinco reis mouros vencidos por este Rei e, finalmente, os cinco pontos em cada uma, as cinco chagas de Cristo. O hino “A Portuguesa”, composto por Alfredo Keil tornou-se o hino nacional.

Seguiu-se um período de democracia republicana, presidido por Manuel de Arriaga. Poeta e advogado, foi um dos principais ideólogos republicanos. Depois da instauração da República, ao ser eleito presidente, tentou reunificar o partido que, entretanto, se desmembrava em diferentes facções. Foi um esforço sem muitos resultados, visto que o seu mandato foi atribulado devido a incursões monárquicas movidas por Paiva Couceiro. Foi substituído pelo professor Teófilo Braga, em 1915. Dois anos depois, o primeiro Presidente da República morria em Lisboa.

Teófilo Braga, fundador do Partido Republicano, assumiu em 1910 a presidência do Governo Provisório Republicano assumindo, em 1915 o cargo de Presidente da República. Foi professor e escritor, tendo deixado uma vasta obra literária.

Este período republicano foi caracterizado por uma forte instabilidade política, conflitos com a Igreja, mas também grandes progressos na educação pública. A chamada I República Portuguesa terminou em 1926, com o golpe de 28 de Maio, a que se seguiram longos anos de ditadura.

“O Governo Provisório da República Portuguesa saúda as forças de terra e mar, que com o povo instituiu a Republica para felicidade da Pátria. Confio no patriotismo de todos. E porque a Republica para todos é feita, espero que os oficiais do Exército e da armada que não tomaram parte no movimento se apresentem no Quartel-general, a garantir por sua honra a mais absoluta lealdade ao novo regime.”

Edital da Proclamação da República

Teófilo Braga, Lisboa, 5 de Outubro de 1910

André Pereira
O Despertar

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