A minha ligação com Fausto Correia apenas se materializou uma única vez, aquando da visita de alguns alunos do Instituto Superior Miguel Torga ao Parlamento Europeu – a seu convite. Para lá disso, trabalho no jornal “O Despertar”, que ele dirigia até ao dia de ontem. Pouco tenho a dizer sobre a pessoa, não querendo correr o risco de escrever palavras não sentidas. Por essa razão, deixo um texto de José Henrique Dias, docente universitário que recebe toda a minha admiração.
"Há notícias que nos recusamos receber. Depois de entregues, quaisquer que sejam as múltiplas vias, batem contra as nossas resistências, amolgam todas as lógicas, rasgam todas as fibras dos afectos. Há notícias que não deviam chegar-nos se pudéssemos esconjurá-las, tão solidamente brutais nos batem à porta.
Morreu o Fausto. Dito assim, na voz molhada de um amigo comum, tragicamente sincronizada com os noticiários das televisões. Dizermos não pode ser é, ainda mais que o último sopro da incredulidade, a tentativa íntima de deter o indetível, de execrar a dor que começa a minar e a crescer, a subir degrau a degrau ao limiar da insuportabilidade. Até ao regresso à crueza do real, até sabermos que há notícias que temos de receber.
Conheci Fausto Correia não sei bem situar quando, mas que sei situar bem. Nos passos perdidos de todos os fora em que se faz da vida o exercício da cidadania, do compromisso com valores superiores da ideia de servir a res publica, de implicar a existência num viver solidário onde a tolerância impera e os bons costumes importam na busca da luz mais iluminada da razão para ser livre e pensar livremente. Conheci Fausto Correia nos labirintos de uma saudade retocada da lucidez de pensar Coimbra para o futuro, Coimbra à sua espera no caminho da mudança que tarda. E agora, Fausto, que fazer dos projectos e como encontrar quem?
Abro nesta ferida, nesta fenda que a notícia rasgou, a recordação teimosa daquela noite em Bruxelas, em que eu com os alunos do meu Instituto, que tem colado o nome do nosso Miguel Torga, que o Fausto foi tão claramente explicando nos salões da Europa, a fazer o que devia, como ensinara o Mestre, aquela noite em que as raparigas e os rapazes do Curso de Comunicação Social (Fausto, a maioria já está aviada com o diploma a fazer-se à vida, e quantos deles têm aprendido por aqui nas colunas de O Despertar) o ouviram falar de coisas tão sérias com o ar tão leve do magistério esclarecido, as ideias arrumadas, o olhar terno, o sorriso envolvente, a Europa farol do crescimento intelectual a dar as mãos à dos outros desenvolvimentos, o pensar para além dos quintalinhos e quintalecos dos patifes bem falantes que sempre aparecem na hora da despedida.
Fico a dever a Fausto Correia esse momento alto da convivência despreconceituosa que cumpre e se cumpre na função de representar o melhor de nós, a sua disponibilidade e uma maneira de estar que as universidades não ensinam, que se aprendem melhor nas infantes correrias pelas ruelas da baixinha coimbrã, onde mal entra o sol mas se doiram as almas, em que definitivamente nos ganhamos para polir o gume cortante de todas as arestas, para trabalhar a brutidão das pedras rumo aos poliédricos roteiros de uma humanidade melhor. A nossa Coimbra, a do povo, sem capas velhinhas e fitas ao vento. Com mais encanto na hora de estar.
Aqui, nestas páginas que me facultou para umas croniquetas quinzenais em que me esforço por falar de pessoas, de alguns dos seus problemas na medida das minhas posses, vai agora crescer um enorme vazio. Vai faltar-nos a ALVORADA. Apaga-se a luz da discussão dos grandes problemas nacionais, no plano inclinado da dimensão nacional de Coimbra. Coimbra fica mais pobre. Ainda mais pobre. Quem souber olhar na direcção onde nasce o Sol, encontrará o lugar onde se resguardam os eleitos da nossa memória.
Obrigado, Fausto, por quanto ensinaste."
"Há notícias que nos recusamos receber. Depois de entregues, quaisquer que sejam as múltiplas vias, batem contra as nossas resistências, amolgam todas as lógicas, rasgam todas as fibras dos afectos. Há notícias que não deviam chegar-nos se pudéssemos esconjurá-las, tão solidamente brutais nos batem à porta.
Morreu o Fausto. Dito assim, na voz molhada de um amigo comum, tragicamente sincronizada com os noticiários das televisões. Dizermos não pode ser é, ainda mais que o último sopro da incredulidade, a tentativa íntima de deter o indetível, de execrar a dor que começa a minar e a crescer, a subir degrau a degrau ao limiar da insuportabilidade. Até ao regresso à crueza do real, até sabermos que há notícias que temos de receber.
Conheci Fausto Correia não sei bem situar quando, mas que sei situar bem. Nos passos perdidos de todos os fora em que se faz da vida o exercício da cidadania, do compromisso com valores superiores da ideia de servir a res publica, de implicar a existência num viver solidário onde a tolerância impera e os bons costumes importam na busca da luz mais iluminada da razão para ser livre e pensar livremente. Conheci Fausto Correia nos labirintos de uma saudade retocada da lucidez de pensar Coimbra para o futuro, Coimbra à sua espera no caminho da mudança que tarda. E agora, Fausto, que fazer dos projectos e como encontrar quem?
Abro nesta ferida, nesta fenda que a notícia rasgou, a recordação teimosa daquela noite em Bruxelas, em que eu com os alunos do meu Instituto, que tem colado o nome do nosso Miguel Torga, que o Fausto foi tão claramente explicando nos salões da Europa, a fazer o que devia, como ensinara o Mestre, aquela noite em que as raparigas e os rapazes do Curso de Comunicação Social (Fausto, a maioria já está aviada com o diploma a fazer-se à vida, e quantos deles têm aprendido por aqui nas colunas de O Despertar) o ouviram falar de coisas tão sérias com o ar tão leve do magistério esclarecido, as ideias arrumadas, o olhar terno, o sorriso envolvente, a Europa farol do crescimento intelectual a dar as mãos à dos outros desenvolvimentos, o pensar para além dos quintalinhos e quintalecos dos patifes bem falantes que sempre aparecem na hora da despedida.
Fico a dever a Fausto Correia esse momento alto da convivência despreconceituosa que cumpre e se cumpre na função de representar o melhor de nós, a sua disponibilidade e uma maneira de estar que as universidades não ensinam, que se aprendem melhor nas infantes correrias pelas ruelas da baixinha coimbrã, onde mal entra o sol mas se doiram as almas, em que definitivamente nos ganhamos para polir o gume cortante de todas as arestas, para trabalhar a brutidão das pedras rumo aos poliédricos roteiros de uma humanidade melhor. A nossa Coimbra, a do povo, sem capas velhinhas e fitas ao vento. Com mais encanto na hora de estar.
Aqui, nestas páginas que me facultou para umas croniquetas quinzenais em que me esforço por falar de pessoas, de alguns dos seus problemas na medida das minhas posses, vai agora crescer um enorme vazio. Vai faltar-nos a ALVORADA. Apaga-se a luz da discussão dos grandes problemas nacionais, no plano inclinado da dimensão nacional de Coimbra. Coimbra fica mais pobre. Ainda mais pobre. Quem souber olhar na direcção onde nasce o Sol, encontrará o lugar onde se resguardam os eleitos da nossa memória.
Obrigado, Fausto, por quanto ensinaste."
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