sábado, 31 de março de 2007

Orgulhosamente Avós

Durante semanas, chegava a casa cansado de mais um dia de trabalho, sentava-me ao computador, ligava a televisão e (as)saltava-me à vista a fotografia de António de Oliveira Salazar. “Déspota ou iluminado?” era a frase que acompanhava um dos retratos mais vistos e dados a ver pelos portugueses.

Hoje, continuo a minha rotina de trabalhador-estudante e estudante-trabalhador e não abdico das funções do meu polegar. A pequena caixa mágica continua a transmitir som e imagem ao meu quarto. Porém, a pergunta que me invadira há poucos dias continua sem resposta. Quer esta sobre Salazar, quer tantas outras sobre os restantes nove finalistas do concurso da RTP “Grandes Portugueses”.

A votação está concluída e o vencedor é Salazar, com 41% dos votos. Sinceramente, o resultado não me espanta em nada. E talvez peque por não ter atingido a maioria absoluta. Penso que esta escolha não reflecte o que o povo quer ou deseja (regresso de Salazar). Se, por um lado, votaram “apenas” cerca de 160 mil pessoas, por outro, quem votou não pertence (um mero palpite) às novas gerações. Sentados num banco de jardim, os mais velhos balançam entre as migalhas dos pombos e a organização meticulosa das suas peças de dominó. Outras migalhas enchem os bolsos vazios reflectidos nas palavras saudosas de um regresso ao passado “No tempo do Salazar é que era bom”. São estas palavras que saem das bocas enrugadas dos avós que são dirigidas aos mais pequenos comandados por ipods e playstations.

Mas o que verdadeiramente me espanta é o elevado grau de inteligência que os criadores deste programa tiveram para o transformar num concurso. De facto, nada melhor que pegar no nosso país (Portugal, Inglaterra, Itália, ou outro), cortar ao meio, espremer bem, abanar um bocadinho e verter para um copo para ser bebido como um simples sumo de laranja. Realmente, não se poderia pedir muito mais de um público que já há muito tempo que anda habituado a outros frutos e flores… Com ou sem açúcar, os olhos colados na televisão são cada vez mais e a massa cinzenta cada vez menos.

Dar a conhecer ao público as obras, feitos e conquistas dos portugueses que, de certa forma, foram importantes para o país é, sem dúvida, uma iniciativa a aplaudir. Decerto que grande parte dos portugueses nunca sequer teria ouvido falar em muitos dos finalistas do concurso. Ou, se o ouviram, entrou e saiu da cabeça à velocidade da luz. E é mesmo isso que falta a muitos portugueses, luz. Num mundo cada vez mais iluminado pelas novas tecnologias e pela imprescindível rapidez de pensamento e acção, o verdadeiro pensar e o conhecer tendem a ser esquecidos por aqueles que não têm os coletes de salvamento.

Escolher entre Salazar e Álvaro Cunhal, Fernando Pessoa e Camões, D. Afonso Henriques e D. João II é uma afronta à História de qualquer país, particularmente a um dos países mais antigos do Mundo como é o nosso. Conceder determinados atributos a cada “concorrente” (sim, Vasco da Gama e Aristides de Sousa Mendes são concorrentes!) é um acto estupidamente leviano para definir as suas personalidades. Como num simples jogo de computador, coloco os jogadores nas suas posições conforme as suas qualidades (Fernando Pessoa tem 8,6 de génio, talvez o coloque a nº10; o Marquês de Pombal fica atrás para organizar a defesa; já o Salazar tem 8,7 de liderança, será ele a enveredar a braçadeira de capitão). E é neste barco de frágeis tábuas de madeira que abandonamos a costa rumo à “evolução” com o objectivo maior de dar “novos mundos ao mundo”.

Qualquer um dos portugueses, conhecido ou mero anónimo teve, tem e continuará a ter um papel fulcral na História do nosso país. Como é óbvio, não discordo da existência de personalidades que, por tudo o que fizeram e pela sua visibilidade, foram transformadas em verdadeiros ícones mediáticos. Mas mesmo dentro desses, cada um foi dotado de defeitos e virtudes, vitórias e derrotas. É, portanto, na minha humilde opinião, coroar um único como o Grande Português, uma impossibilidade histórica e vertiginosamente perigosa para todo o público deste programa, que somos todos nós.

Talvez as crianças, dentro de uns anos, rejeitem ler “Os Lusíadas” (já não rejeitam?) pois foi criado por um simples homem que ficou num modesto quinto lugar… Ou, por outro lado, decidam estudar economia para serem Ministros das Finanças… Visto desse prisma, talvez nem fosse má ideia. Mas isso já são contas de outro rosário. Contas de somar, subtrair, multiplicar, dividir… Dividir tal como aconteceu em 1494, dum lado Portugal, do outro Castela. Hoje, o Tratado de Tordesilhas adaptou-se à mentalidade portuguesa e cada vez mais o fosso entre ambos os blocos é maior. A informação, é certo, aumentou drasticamente nos últimos anos e o acesso a ela também. Contudo, o conhecimento está tão longe para muitos como estava a Índia para o Vasco da Gama. Muitos de nós continuam a ser tristes empregados de escritório, que falam para si mesmos através da invenção. Outros vivem euforicamente felizes, cantando ao mundo a sua envernizada sabedoria.

Precisamos, talvez, de um Alberto Caeiro para guardar toda esta homogeneidade rebânica que pasta lentamente o que lhe vem à boca.

A cadeira caiu mas, para muitos, ergueu-se orgulhosamente a voz de Salazar.

André Pereira
Fotografia:
Luís Gomes

sexta-feira, 30 de março de 2007

Cem anos sem nada

A quarta-feira passada fez cem anos do nascimento da irmã Lúcia. O Diário de Fictícias, para festejar data tão importante a nível nacional e internacional, contactou com o seu correspondente no outro mundo e entrevistou a irmã de todos os portugueses (ou quase).

Diário de Fictícias – Boa noite irmã, como está? O calor aqui é insuportável…
Irmã Lúcia –
Graças a Deus Nosso Senhor Jesus Cristo.

DF – Graças a quem?
IL –
A Deus.

DF – Mas já se vai embora? Ainda nem começámos a nossa conversa…
IL –
Não, não… Estava apenas a dizer que estou aqui graças a Deus. Olhe, eu tenho um segredo.

DF – Ah, ok. Irmã Lúcia, antes de mais, os meus parabéns pelo seu centésimo aniversário.
IL –
Muito obrigado. Ámen.

DF – Que prenda gostaria de receber neste dia tão especial? E que segredo é esse?
IL –
Eu gostaria de receber uns óculos de sol. Quanto ao segredo conto no final da entrevista.

DF – Uns óculos de sol? Então porquê?
IL –
Por um lado, fazem-me muita falta aqui em baixo e, por outro, fiquei com um trauma com o “baile do sol”.

DF – Não nos quer falar desse baile? O que aconteceu realmente?
IL –
Eu vi a Fátima com os meus próprios olhos!

DF – E o sol bailou?
IL –
Claro que sim! Sabe como é no Brasil, o samba cativa toda a gente.

DF – No Brasil? Mas a aparição de Fátima não aconteceu em Portugal?
IL –
Em Portugal não acontece nada. E todas as Fátimas que surgem desaparecem rapidamente para Terras de Vera Cruz.

DF – Sim, sim... Então e como pensa passar este tempo de Quaresma?
IL –
Fez um grande jogo, sem dúvida alguma! Mas também gostei bastante do Cristiano Ronaldo e do Nuno Gomes.

DF – Não era desse Quaresma que estava a falar. Estamos no fim da nossa entrevista. Pode-nos contar o tão misterioso segredo?
IL –
O segredo? Que segredo?

quarta-feira, 28 de março de 2007

Computador promete simular efeito de droga

Arquivos digitais podem causar no cérebro efeito parecido com o das drogas. Especialistas ainda não sabem determinar consequências dessa alternativa.

“Clique aqui para se drogar.” Esta frase, que ainda soa um tanto absurda, deve tornar-se cada vez mais comum na internet, ambiente no qual as pessoas procuram simulações para sensações da vida real. Depois dos programadores de jogos criarem personagens que têm seus sentidos alterados por drogas virtuais, um site resolveu oferecer essa sensação aos próprios internautas - uma experiência que pode ser desaconselhável, dependendo da sensibilidade de cada utilizador.

Na página
i-Doser, os internautas encontram batidas musicais que prometem causar essas sensações - é possível ouvir uma amostra grátis no site, além de fazer download dos arquivos pagos ou comprar CDs (cada mídia custa cerca de 15 euros). Segundo a página, a simulação dos efeitos do haxixe, da cocaína e do ópio acontecem porque as batidas sincronizam as ondas cerebrais para os utilizadores sentirem-se eufóricos, sedados ou para terem alucinações.

Arquivos digitais com nove doses custam cerca de 5 euros - cada arquivo tem cerca de 15 minutos e só pode ser ouvido uma vez. “Use a dose uma vez, deite fora e compre mais quando precisar”, diz o site, num discurso que em muito se assemelha com o dos traficantes do mundo real. “Para aqueles que utilizam doses ocasionais, esta é uma alternativa bastante económica”, continua a página, que aconselha o uso de bons auscultadores de ouvido durante o consumo das “doses”.

“É possível que estes sons façam o que prometem. Sabemos que há uma série de estímulos que alteram o mecanismo cerebral, como acontece com a hipnose. Mas ainda é cedo para sabermos as consequências desse tipo de experiência na internet, já que é algo muito novo”, afirmou Dartiu Xavier da Silveira, psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) especializado no tratamento de dependências.

Ele não descarta, no entanto, a possibilidade desses arquivos serem utilizados no tratamento de pessoas com outros tipos de vício. Pessoas dependentes de jogos via internet, por exemplo, poderiam utilizar essa alternativa como um “degrau” para a cura: elas deixariam de apostar dinheiro, passariam a usar o simulador e, então, conseguiriam eliminar a dependência. Mas ainda não é possível dizer se as “drogas virtuais” são uma boa opção para esses casos.

Imprevisível

Pelo facto de os efeitos serem desconhecidos, Silveira não é um entusiasta deste tipo de simulador que, segundo ele, pode viciar. “É uma alternativa menos lesiva que a droga química, mas definitivamente não é benéfica, porque manipula a consciência do utilizador”, afirma, lembrando das mensagens subliminares. “É possível que esses programas comecem a passar mensagens para os internautas, sem que eles se dêem conta disso.”

Erick Itakura, pesquisador do Núcleo de Pesquisa da Psicologia em Informática (NPPI) da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, concorda com a possibilidade do vício. No entanto, ele lembra que nem todos estão propensos a isso - da mesma forma, muitos internautas podem não ter as sensações prometidas quando ouvirem as batidas. “Com as substâncias químicas acontece o mesmo: os efeitos variam de pessoa para pessoa”, compara.

Ele considera a experiência de conhecer as batidas válida e afirma que esse tipo de alternativa se deve tornar cada vez mais comum, por conta da característica de interactividade da internet.

No entanto, o psicólogo reconhece que esse tipo de simulador pode levar o utilizador a situações extremas.

Como exemplo disso, ele cita um episódio em 1997, quando diversas crianças e adolescentes do Japão foram internados depois de assistir ao desenho “Pokemon”. O forte impacto visual do episódio causou em muitos telespectadores sintomas de uma epilepsia fotossensível, como vómito, desmaio e vertigem. “Estímulos desse tipo podem causar sensações desagradáveis e até assustar.”

segunda-feira, 26 de março de 2007

Associação de Moradores do Bairro do Ingote comemora 3º aniversário

O Bairro do Ingote, situado na periferia de Coimbra, é conhecido com sendo um dos mais problemáticos da cidade. Os relatos de violência, tráfico e consumo de drogas, vandalismo e criminalidade têm construído uma estrutura mental na cabeça das pessoas que não corresponde completamente à realidade.

É certo que, em tempos, este foi um bairro com bastantes complicações mobilado por conjunturas desagradáveis. Os sons constantes dos disparos de armas de fogo, as noites escuras que serviam de abertura ao mundo subterrâneo fizeram com que este bairro chegasse a ser apelidado de “Faroeste”, onde o deserto o separava da civilização.

Os preconceitos existem no cérebro das pessoas e, muitas vezes, não os conseguem eliminar. Um dos factores apontados para a ideia que se tem do bairro tem sido o facto deste albergar um grande número de famílias de etnia cigana. Esta ideia errada existe mas não passa disso mesmo, uma mera edificação ficcionada.

A diferença não existe e a religião, credo, etnia ou cor, não definem, de forma inata, o nosso destino e as nossas acções. Apesar de persistirem alguns atritos e problemas de difícil resolução, tudo está a tomar um novo rumo.

Quando o Bairro do Ingote foi criado, há cerca de 30 anos, as condições eram mínimas, bem como todas as infra-estruturas (nem existiam estradas de acesso ao Monte Formoso ou ao Bairro de S. Miguel).

Nestes últimos três anos, o Bairro do Ingote tem beneficiado de diversas melhorias. O arranjo de prédios (paredes, fachadas, portas, vidros e campainhas exteriores), bem como a limpeza dos espaços públicos têm sido algumas das iniciativas para melhorar a imagem do Ingote. Foi criado, também, um parque infantil completo, que está a ser utilizado pelas crianças que habitam no Planalto do Ingote (Bairro do Ingote, Bairro da Rosa e Bairro António Sérgio). Este é um bom parque com equipamentos modernos. Mas a responsabilidade pelo bairro não passa apenas pelas autoridades competentes. Os moradores têm desempenhado funções essenciais com o objectivo de “lavar a cara deste bairro”, como diz Maria Costa, actual moradora. Para tal, muito tem contribuído a Associação de Moradores do Bairro do Ingote (AMBI) que comemora, este ano, o seu terceiro aniversário.

A AMBI funciona como elo de ligação entre os residentes do Bairro do Ingote e a Câmara Municipal. Apesar da inexistência de quaisquer tipos de subsídios, a AMBI soube vestir uma única camisola, arregaçar as mangas e deitar mãos à obra.

De há três anos para cá que o verdadeiro espírito de solidariedade e de voluntariado tem permitido à AMBI dar “passos curtos mas certinhos” rumo ao futuro, segundo o presidente João Jorge Gândara.

A má imagem do bairro tem vindo a ser limpa por esta Associação. E, para os que pensam o contrário, João Jorge Gândara convida a “vir comprovar com os seus próprios olhos”.

A limpeza e a organização são visíveis a olho nu, mas tudo isto se deve a um “trabalho bastante árduo e duro, mas que acaba por ser bastante gratificante”, sublinha Cristina Costa, vice-presidente administrativa da AMBI.

“Temos realizado inúmeras iniciativas com vista a reintegrar as pessoas do e no Bairro”. As palavras são de Cristina Costa que, quando questionada sobre o futuro, torce o nariz. “Vejo o futuro de uma forma bastante apreensiva”, afirma. Os mandatos directivos da AMBI duram dois anos e o actual termina funções em Janeiro de 2008. “João Jorge Gândara é um excelente presidente e tem conseguido manter um balanço positivo em todos os aspectos”, comenta Cristina Costa. “Com a sua saída as coisas tornar-se-ão complicadas”, conclui.

No âmbito deste terceiro aniversário, a AMBI irá realizar, no próximo dia treze de Abril um vasto programa de actividades. Sendo assim, na sexta-feira, treze, o dia não será de azar. Por volta das 15horas serão desterradas as placas toponímicas com as ruas do Bairro. Meia hora mais tarde os convidados serão recebidos por um grupo de “ciganinhas”. Para as 16horas está marcada a Sessão Solene, presidida pelo Presidente da Câmara Carlos Encarnação e com a presença de diversos vereadores, altas individualidades, convidados e sócios. Este ano, e pela primeira vez, a direcção da AMBI decidiu distinguir cinco personalidades com um prémio, que será entregue nesta sessão. Já às 17horas, haverá um “beberete” direccionado aos convidados e sócios. Após uma tarde de convívio entre todos, o dia termina com a actuação da Tuna da Faculdade de Economia de Coimbra.

sábado, 24 de março de 2007

Rebanho Guardado

Professora – Bom dia, senhores alunos!
Alunos –
Bom dia, pah! Podes-te sentar, fica à vontade!

Professora – Obrigado… Se não se importarem, hoje vamos falar da actualidade. Comecemos pelo programa “Grandes Portugueses”.
Alunos –
Boa! Viva o Cristiano Ronaldo e a Floribella! E os DZRT! E os excelentes actores dos Morangos com Açúcar!

Professora – Bem, não era exactamente sobre essas pessoas que gostaria de falar…
Alunos –
Não era o quê? (aproximam-se dela com ar ameaçador) Parece que percebeu mal…

Professora – Nada, nada. Eu disse que era exactamente sobre esses enormes portugueses que iremos falar hoje! Mas, já agora, o que acham dos dez portugueses eleitos? Por exemplo, que opinião têm acerca desta “luta” entre o Cunhal e o Salazar?
António –
Eu tenho aqui um punhal! É deste que estamos a falar?

Professora – (assustada) Não!
Álvaro –
António, volta para a tua cadeira, deixa a senhora professora trabalhar…

Professora – Muito bem, menino Álvaro! Um dos senhores caiu exactamente de uma cadeira… Aliás, foi esse senhor que criou o Estado Novo.
Luís –
“Tanto do meu estado me acho incerto / Que, em vivo ardor, tremendo estou de frio / Sem causa, juntamente choro e rio / O mundo todo abarco, e nada aperto.”

João – Só poesia, só poesia! Mas tu és cego ou surdo? Não é desse Estado que a professora estava a falar. Vê lá se queres que divida a tua cabeça como no Tratado de Tordesilhas…

Professora – Meninos, vamos lá a parar com isto! Já que o menino Joãozinho falou no Tratado de Tordesilhas, sabem em que consistiu?
Vasco –
Eu não sei, mas sempre que me falam em Tordesilhas só me apetece comer uma comidinha bem temperada. Nham nham… Há até quem me chame de Vasco da Gamba, tal é o meu gosto pela gastronomia e pelo mar.

Professora – O Tratado de Tordesilhas assegurou para Portugal a posse do Brasil e a manutenção do comércio com a Índia.
Afonso –
Ahhh… Daí ter nascido o Deco, que diz que Portugal é a sua Pátria-Mãe. No meu tempo não era nada assim… Pátria-Mãe?! Pátria tudo bem, agora Mãe… Não me parece…

Professora – Menino Afonso, temos de respeitar a nossa mãe, os nossos pais… Mas, vamos lá organizar isto.
Marquês –
Organizar? Ouvi falar em organizar? Isso é comigo! Vamos lá antes que esta aula se transforme num verdadeiro terramoto!

Aristides – Oh Marquês, tu, de facto, és muito organizado, mas cometeste um erro que eu tive que remediar mais tarde… Mandaste-os embora e eu tive de os salvar.

Professora – Acabem com a discussão, meninos! Com isto, já são horas de acabar a aula. O pior é que está a chover lá fora e não tenho coragem para passar por aquele mar de água…
Henrique –
Professora, não tenha medo! Vamos lá. Eu tenho uma solução. Não podemos ter medo! Como diz ali o Luís, vamos “dar novas escolas à escola”.

Professor – A situação está cada vez pior. Acho que nenhum de vocês merece a melhor nota. Todos são bons alunos mas também têm os vossos defeitos, tal como todos os alunos das outras escolas. Até aqueles que não andam na escola, mas sabem bastante! Dar a melhor nota a um de vocês é uma atitude idiota… Por agora, preciso é de alguém que nos guarde até esta tempestade passar…
Fernando –
Eu posso ajudar. Afinal, uma parte de mim está habituada a guardar rebanhos…

quarta-feira, 21 de março de 2007

Poeta castrado não!

Serei tudo o que disserem
por inveja ou negação:
cabeçudo dromedário
fogueira de exibição
teorema corolário
poema de mão em mão
lãzudo publicitário
malabarista cabrão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!

Os que entendem como eu
as linhas com que me escrevo
reconhecem o que é meu
em tudo quanto lhes devo:
ternura como já disse
sempre que faço um poema;
saudade que se partisse
me alagaria de pena;
e também uma alegria
uma coragem serena
em renegar a poesia
quando ela nos envenena.

Os que entendem como eu
a força que tem um verso
reconhecem o que é seu
quando lhes mostro o reverso:

Da fome já não se fala
é tão vulgar que nos cansa
mas que dizer de uma bala
num esqueleto de criança?

Do frio não reza a história
a morte é branda e letal
mas que dizer da memória
de uma bomba de napalm?

E o resto que pode ser
o poema dia a dia?
Um bisturi a crescer
nas coxas de uma judia;
um filho que vai nascer
parido por asfixia?!
Ah não me venham dizer
que é fonética a poesia!

Serei tudo o que disserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado não!
José Carlos Ary dos Santos

sábado, 17 de março de 2007

Ad Libitum Companhia das Artes - Um passo de dança ao som de um só acto

“À vontade com as artes”

Coimbra está cada vez mais bonita. Na minha mente ecoam notas musicais que me enfeitiçam e transportam para outro patamar. Tal como nos desenhos animados, começam a surgir colcheias, semínimas e claves de sol por cima da minha cabeça e o meu corpo é arrastado como um simples objecto de metal absorvido pela força de um íman.

O som provém da zona antiga da cidade. Ainda de olhos fechados, calço as minhas pantufas e, pé ante pé, avanço lentamente pelo instável chão que piso. Olho à minha volta e estou cercado por imponentes moradias que outrora se encontravam no cimo da cidade. Avanço pela rua (quase tropeço num divã), e a melodia torna-se mais intensa. Desloco lentamente o olhar e encontro, ao meu lado esquerdo, a fonte de todas as notas que ouvi. É um edifício alto e bastante antigo, escondido pela memória que um dia lhe pertenceu. A sua cor triste espelha as flores que um dia o Rei da Universidade encontrou no regaço de sua mulher. É o número 22, essa capicua que, de par em par, abre as portas à minha pessoa.

Ao empurrar a resistente porta de madeira, esta abre-se diante de mim e mostra-me algo que nunca sequer imaginara que existira naquele lugar. Um bonito átrio, todo ele pintado de história, dá acesso a várias moradias. Ao fundo, do lado esquerdo, encontro uma placa onde finalmente consigo nomear a causa do meu sonambulismo musical – Ad Libitum Companhia das Artes.

Acompanhado por Paulo Pereira, presidente da Companhia, subo os degraus de madeira que se assemelham a um crescendo musical de suspense. Os planos sucedem-se e, findo o percurso, a minha surpresa quase me atira para o início das escadas. A minha expressão facial modifica-se, fico com os olhos maiores e fico mudo por momentos.

Estamos numa casa do século XVII, com um acolhedor hall de entrada, acarinhado por um belo sofá que nos convida a entrar. Esta divisão permite-nos optar por dois diferentes caminhos: regressar ao século XVII ou viajar até ao século XVIII. Unem-se, desta forma, duas épocas que se abraçam numa só, hoje!

Sinto o cheiro a música e ouço todos os aromas que atravessam a minha pele. As janelas, todas com banquinhos namoradeiros, fazem recordar filmes que nunca realmente vivi. Lá fora, o Mondego permanece tranquilo nesta calma manhã. Pequenas salas servem agora de local de aprendizagem e de convívio entre diversas pessoas.

A Ad Libitum Companhia das Artes surge da vontade do Grupo Vocal Ad Libitum em estabelecer relações de proximidade da música com outras artes do espectáculo, como a dança e o teatro, na procura de uma simbiose global.

A voz, o primeiro e natural instrumento, é o principal objecto de trabalho da academia. Para além de aulas individuais de canto, há ainda o coro infantil Ad Libitum, que tem como objectivo primordial a iniciação no maravilhoso mundo da música, de uma forma divertida e estruturada.

Mas não podemos deixar de lado aquele instrumento com teclas brancas e pretas, construído pela ponta dos nossos dedos e que vagueia pelo modo menor e maior, consoante a nossa escala melódica…

Ao som da música, vestimos algo mais prático e deixamos o nosso corpo flutuar aleatoriamente como o vapor que sai de uma chávena de café… Consoante o pretendido, serão praticados vários géneros de dança, através da prática de coreografias para posteriores apresentações.

Com o próprio sangue a dançar pelas veias o aluno pode, ainda, dedicar-se à nobre arte da representação. Utilizar o próprio líquido vermelho para fazer as outras pessoas corar de amor ou chorar por falta dele… Tudo sem que se perceba quem verdadeiramente é… Esta área teatral permite a aquisição de conhecimentos ao nível de preparação do trabalho de actor e gradual aprendizagem de diferentes regras de interpretação.

“O nosso grande objectivo é enquadrar estas três grandes áreas”. Quem o diz é Paulo Pereira, presidente da Companhia, que pretende dar uma nova cara à alta de Coimbra que, segundo ele, “tem sido bastante desaproveitada”.

Com apenas três semanas, a Companhia das Artes Ad Libitum conta com mais de 30 alunos inscritos. A adesão tem sido bastante positiva e as opiniões são música para os ouvidos dos responsáveis.

A Ad Libitum está localizada na Rua dos Coutinhos, junto ao largo da Sé Velha e pretende captar quem normalmente não tem acesso à cultura.

É com orgulho que Paulo Pereira fala deste seu novo projecto, que abraçou em conjunto com o Grupo Vocal Ad Libitum. Este grupo teve início em 1991 e o seu talento é inegável. Com reconhecido trabalho na promoção da cultura através da música, em todo o país e no estrangeiro, este grupo pretende ir mais longe.

Longe como onde este espaço me levou por breves momentos. Sento-me à mesa, como uma fatia de bolo de chocolate acabado de fazer e moldo as mãos à chávena de chá que aquece a minha alma. A cozinha, um dos compartimentos mais bonitos da casa, persegue o caminho de antiguidade moderna do restante espaço. O ambiente é familiar e acolhedor, os sonhos, esses, aproximam-se cada vez mais da realidade.

sexta-feira, 16 de março de 2007

Jornal Monizcipal - "Obrigado Padrinho!"

Boa noite! Eu sou a Sentinela Moura Guedes e este é o Jornal Monizcipal!

Hoje, temos em estúdio o nosso primeiro arguido da semana. Senhoras e senhores, meninas e meninos, dêem as boas-vindas a Valentim Poleiro!

SMG – Senhor major, reconhece esta fotografia?
VP –
Eu não conheço ninguém, não tenho nada que ver com isso! É tudo uma cambada de gatunos!!

SMG – Calma senhor major, é apenas um retrato de um senhor italiano, da Sicília, penso eu… Ele manda-lhe cumprimentos.
VP –
Ah, sim sim… conheço. Obrigado, padrinho!

SMG – Vamos dar início à sessão! Arguido Valentim Poleiro, foi cumprido o seu desejo de ser julgado na Comunicação Social. O que tem a dizer sobre os que o acusam de estar implicado em diversos crimes de corrupção desportiva?
VP –
Espere um pouco, deixe-me ver aqui no meu dossier… Corrupção camarária, corrupção em obras públicas, corrupção internacional, corrupção nacional, corrupção desportiva! Cá está! Sabe, tenho isto bem organizado. Aliás, eu pauto-me pela organização e pela transparência.

SMG – Pela transparência? Mas é acusado de diversos crimes…
VP –
É uma cabala que têm contra mim! Eu sou uma pessoa séria e honesta! E sou transparente por dois motivos: primeiro porque todos sabem daquilo que sou acusado e segundo, estou em muitos locais e falo com muita gente que, passados poucos dias, negam ter falado comigo.

VP – Mas… quem é este agora? Passou aqui numa velocidade… Espera aí, é ladrão! Apanha, apanha!
SMG –
Calma, major. É apenas o Mantorras, o jogador do Benfica. Deve ter lido mal a carta que lhe enviámos… É que ele vem cá amanhã para ser julgado. Parece que andou por aí a conduzir sem carta de condução…

VP – Sinceramente, estes jovens de hoje em dia não respeitam as autoridades competentes… Andamos nós a apertar o cinto para o país ir para a frente e há meia dúzia de gatunos que só colocam o país para baixo. São uns corruptos!
SMG –
E em relação ao Mantorras, o que tem a dizer?

VP – Era sobre ele que estava a falar…
SMG –
Ah pois, peço desculpa, pensei que… Prossigamos!

SMG – Parece que um amigo seu também foi constituído arguido por ter ordenado as agressões ao antigo vereador da Câmara de Gondomar…
VP –
Oh, isso é dor de bexiga! Ops, peço desculpa, é dor de cotovelo! Sou bonito, famoso, apareço na televisão, tenho um filho que canta muito bem… E muitos têm inveja.

SMG – Há quem diga que o seu filho deveria ser BANido do mundo da música. Outros dizem, ainda, que deveria ser banido do mundo desportivo. Mas isso são contas de outro rosário. Por falar em rosário, prefere o rosário das rosas ou o rosário religioso?
VP –
Posso usar o trunfo de 50%? Ora bem… Nunca gostei muito de rosas. Mas agora parece que vem aí uma nova vaga de religião. E parece que vai entrar pela Porta(s) principal. Temos é de manter as janelas bem abertas para circular o ar.

SMG – Algo em que estamos de acordo… Uma última pergunta, há quem diga que o equipamento do Boavista vai deixar de ser axadrezado para ter com umas listas verticais. Confirma?
VP –
O Boavista sempre foi axadrezado, mas reconheço que tenho uma certa “queda” para o novo equipamento… Eu e os seus futuros convidados…

Senhora Moura Guedes, está aqui um senhor com um dos nomes igual ao seu que diz que tem de arquivar este caso.
VP –
Finalmente! Estava a ver que não chegavas, pah! É o primeiro Moura, perdão, Mouro em que se pode confiar…

SMG – Senhor major, senhor major?

terça-feira, 13 de março de 2007

"À roda da história" - As pequenas letras da imaginação

Era uma vez, num sítio muito para lá das nuvens, um belo príncipe encantado. Seus cabelos dançavam em sentido oposto à correria de seu cavalo branco e os seus olhos alcançavam muito mais que aquilo que os nossos sentidos poderiam captar. Um dia, sem que o seu corpo se apercebesse, começou a bater constantemente algo no seu peito. Na margem do rio acabara de ver a causa de tamanha agitação. Com os pés assentes na imaginação e os olhos na realidade, entregou-lhe a chave que trazia ao peito. Esta, sem nunca ter existido, assumiu funções opostas à época. Aquilo que, até então, servira para trancar desgraçados nas masmorras e acorrentar miseráveis à sua insignificância, tomara agora outra finalidade. Abrira a corrente sanguinária que trespassava por todo o corpo do herdeiro real. Mas, como em todas as estórias de encantar, um homem se opôs a esta união. Seu pai, com medo de permitir que todos os seus castelos se transformassem num só em género feminino, chamou a si a ingénua feminina e mandou-a degolar. Inês, era este seu nome, acabara de verter o seu amor em espessos jorros de sangue. Pedro, o belo príncipe, fez uso contrário da sua chave e fez rainha aquela que “vivera eternamente em lágrimas”.

Esta bem poderia fazer parte do leque de estórias que viaja agora por algumas escolas e bibliotecas do concelho de Coimbra. A Câmara Municipal aderiu, através da Biblioteca Municipal de Coimbra e do Museu Municipal Edifício Chiado, uma vez mais, ao Plano Nacional de Leitura (PNL), um projecto que promove, até hoje, a Semana de Leitura.

Dirigida às escolas do 1º Ciclo do Ensino Básico, esta iniciativa pretende distribuir letras faladas e escritas às muitas centenas de crianças envolvidas. Trata-se de uma animação da leitura que consiste numa viagem de histórias por algumas das escolas da rede concelhia com bibliotecas escolares. As escolas E.B.1 de Almalaguês, Vendas de Ceira, Taveiro, Ribeira de Frades e Eiras acolhem, assim, várias sessões de promoção da leitura, contadas por Liliana Machado.

Defronte da lareira, com as palmas das mãos no queixo a servirem de suporte à nossa cabeça, olhamos com atenção o infinito das palavras que nos entram pelos ouvidos. Temos os olhos colados no amarelo encarnado das chamas que nos aquecem. Contudo, a imagem que se apresenta ao nosso cérebro não é mais que um reflexo espelhado do que sai da boca enrugada e antiga da nossa avó. A cadeira baloiça a um ritmo melodioso, num compasso binário, de fácil entendimento. As palavras, essas, são música aos nossos ouvidos. Simples colcheias sustenidas em bemóis que nos fazem rir e chorar com finais “felizes para sempre”. Os príncipes loiros de olhos azuis vagueiam pelo calor da sala, e as Cinderelas dividem a merenda com quem encontraram no autocarro. Sabes Cinderela, gostamos de ti… E lembramos, com muita saudade, as noites em que adormecíamos com o ronronar da nossa imaginação.

Estas crianças também merecem sentir o bonito passado que nunca foi delas. Para isso, o presente é uma prenda vinda do futuro embrulhada num papel de arco-íris. Colorido como a bola que saltita entre as mãos das nossas pequenas pedras filosofais. Seguramente, elas não nos irão dar de mão beijada a mágica lâmpada de Aladino nem nos permitirão viver eternamente neste mundo. Mas os três desejos que poderíamos pedir talvez nos proporcionassem uma vida melhor. Muitos trincam a maçã que se encontra na casa das sete pequenas grandes maravilhas da fantasia, outros decidem ir pelo caminho indicado pelo aparentemente amável lobo mau. Porém, muitos são aqueles que não deixam de viver na Terra do Nunca. Voam ao lado de Peter Pan e tentam impedir o Capitão Gancho de cometer constantes piratarias.

O tesouro da leitura

Mas o verdadeiro tesouro está no incentivo e consolidação de hábitos de leitura junto das crianças. É este o verdadeiro objectivo do Departamento da Cultura, presidido por Mário Nunes.

O vereador, orgulhoso desta e de outras iniciativas a realizar, espera “que a semana da leitura seja um grande sucesso.” Segundo o próprio, “é esperado um número mínimo de 2000 pessoas.” Aliás, não é um número indiferente à Casa da Cultura, visto que os seus frequentadores aumentam de dia para dia.

“A leitura-crítica-conclusão é a principal tríade desta iniciativa que pretende alargar os horizontes de leitura às crianças”, afirma Mário Nunes.

Entre outras histórias, encontram-se "O Nabo Gigante", um conto tradicional de António Mota centrado num velho que semeou sementes de nabo na sua horta, que germinaram, cresceram e que, para seu espanto, se tornaram num nabo cada vez mais gigante! Até um dia ter resolvido arrancar o nabo da terra... "O Grufalão", de Julia Donaldson, considerado um clássico moderno da literatura infantil, é outra das histórias para contar, que fará as delícias das crianças, com as aventuras de um pequeno rato que consegue dissuadir vários animais na floresta de o comer, inventando histórias de um monstro feio e assustador (mas imaginário) chamado "grufalão"... Qual não é o espanto do ratinho quando o grufalão realmente aparece! Em 1999, esta obra recebeu o Prémio Smarties para o melhor livro infantil editado no Reino Unido e também o Prémio Blue Peter para o melhor livro para ler em voz alta. Já o Serviço Educativo do Museu Municipal – Edifício Chiado promove, de Terça a Sexta-feira (em horário a acordar com os interessados), sessões de leitura que exploram as Lendas de Portugal.

E assim, com os dedos entrelaçados nas letras infantis, inventamos um mundo onde as nossas glândulas lacrimais desaparecem e vivemos felizes para sempre.

sábado, 10 de março de 2007

OPA morre por falta de assistência

O hipnótico ruído da ambulância é cada vez mais audível. Encostados à porta de entrada, observamos com atenção e incredulidade os movimentos apressados dos homens de branco que saem da carrinha. A maca, muitas vezes vazia, transporta um corpo difícil de identificar. Os 12 meses de viagem foram uma eternidade na curta vida do doente.

Diário de Fictícias – Boa noite, senhor doutor. Qual é a primeira avaliação que faz deste paciente?
Médico –
Para já não posso fazer nenhuma avaliação, uma vez que ainda não entrei ao serviço. Aliás, nem eu nem ninguém. Parece que o hospital se encontra encerrado.

DF – Encerrado? Como assim?
Médico –
Sim, parece que fechou para balanço. Contudo, o equilíbrio não é muito. As portas tiveram que ser trocadas pelas antigas, embora com um new look. Em relação ao paciente, foi sujeito a diversas acções, envolvendo material bélico, essencialmente granadas. Desconfiamos de um senhor perito em actos deste tipo. E, por acaso, tem um apelido que é coincide bastante com o tipo de material utilizado.

DF – O seu corpo encontra-se bastante danificado, presumo…
Médico –
De facto, estou algo debilitado. Estes cigarros matam-me. Espero que não transformem este hospital numa discoteca, caso contrário não poderei cá voltar. Aliás, pouco falta: inúmeras pessoas alteradas física ou psicologicamente, vivendo momentos de euforia e dançando ao som da bela música das ambulâncias. Até tem um consumo mínimo! Só falta mesmo é o segurança a seleccionar os clientes.

DF – Referia-me ao corpo do paciente. Mas o doutor não deveria fumar. Não está a dar um bom exemplo às pessoas.
Médico –
Vou ter de me ausentar. Tenho trabalho a fazer.

DF – Mas o hospital continua fechado…
Médico –
Desculpe, mas o tabaco não provoca apenas as doenças que conhecemos. Há outra que é talvez a mais grave e ninguém trata: a surdez.

DF – Como? Não entendi o que disse…
Médico –
Vê?! Você não fuma (nunca vi um jornal a fumar) e é afectado pelo tabaco da mesma forma que eu. Talvez seja por isso que foi criada esta nova lei.

DF – E o paciente? Ainda há esperança?
Médico –
Sinceramente ainda não temos a certeza. Para já, será enviado para aquele compartimento frio, onde será examinado por vários colegas. Mas, como vivemos num mundo de constantes mudanças, pode ser que amanhã volte ao mundo dos vivos.

sexta-feira, 9 de março de 2007

Criação do Mundo Social

“Sei um ninho / E o ninho tem um ovo / E o ovo, redondinho / Tem lá dentro um passarinho novo.” Com estas palavras inicio este texto. Faço o mesmo que o saudoso Adolfo Rocha fez um dia. Penso, pego numa caneta e num pedaço de papel e transmiti à minha mão o que provém dos meus impulsos cerebrais. E as palavras não poderiam ser mais adequadas à mensagem que se pretende transmitir. O poeta é Miguel Torga e a simples ordenação das letras corresponde a um dos muitos escritos que nos deixou. O Instituto Superior Miguel Torga comemora, este ano, 70 anos de existência. Apesar de em 1937 ter nascido com outro nome – Escola Normal Social – esta instituição tem muito que contar.

Com o intuito de proporcionar uma acção educativa e assistencial persistente e esclarecedora aos mais desfavorecidos, em 1937 é criada em Coimbra a Escola Normal Social, por iniciativa das Irmãs Franciscanas Missionárias de Maria, com o apoio do professor Bissaya Barreto, presidente da Junta da Província da Beira Litoral. As razões da criação desta escola em Coimbra prendem-se com a necessidade de formação de técnicos no âmbito médico-social que permitisse uma resposta às carências verificadas no sector materno-infantil.

Por despacho ministerial de 16 de Março de 1965, foi autorizada a mudança de denominação da Escola Normal Social "A Saúde" para Instituto de Serviço Social de Coimbra, mais tarde Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra (ISSSC).

A 19 de Março de 1979, o ISSSC foi enquadrado nos objectivos de Sistema Nacional de Educação, gozando das prerrogativas das pessoas colectivas de utilidade pública.

O curso de Serviço Social foi oficializado em 1939 e é reconhecido pelo Ministério da Educação a nível de ensino superior em 1962. O ISSSC constitui-se, assim, na primeira escola de ensino superior privado em Coimbra. Já em 1990 este Instituto viu aprovado um plano de estudos de cinco anos ao qual foi atribuído o grau de licenciatura em Serviço Social.

A partir de 1996, são criadas novas licenciaturas: Ciências da Informação (1996), Informática de Gestão (2001), Psicologia (2002) e Multimédia (2003). Em 1998, o ISSSC adopta o nome pelo qual hoje é conhecido: Instituto Superior Miguel Torga (ISMT).

Ainda em 1996, o Instituto iniciou o ciclo de formação académica pós-graduada com os cursos de mestrado em Toxicodependência e Patologias Psicossociais, Família e Sistemas Sociais e Sociopsicologia da Saúde.

No ano 2000 foi criado o mestrado em Serviço Social, seguindo-se o mestrado em Aconselhamento Dinâmico (2002) e o mestrado em Gestão de Recursos Humanos (2006).

A adequação ao processo de Bolonha do 1º ciclo (cinco licenciaturas) e do 2º ciclo (seis cursos de mestrado) realizou-se, respectivamente em Março e Novembro de 2006, tendo-se obtido o registo de todas as licenciaturas.

No âmbito do processo de Bolonha foram ainda criadas mais duas licenciaturas, Comunicação Empresarial e Informática e apresentados quatro novos cursos de mestrado.

Em 70 anos de formação em Serviço Social o Instituto licenciou 3123 Assistentes Sociais e 10 mestres em Serviço Social.

Constituído por um grupo de cerca de 30 funcionários, 100 docentes e 1800 alunos, o ISMT, cujo edifício principal se situa em Celas, pode-se orgulhar de todo o seu manancial criativo, crítico e inovador.

“Exigentes na construção do presente e impacientes no futuro”

Ao visitar o site do Instituto Superior Miguel Torga
, deparamo-nos com um portal tão inovador quanto informativo. Uma imagem bastante organizada e atractiva é o que salta aos olhos de quem visita este Instituto através de um simples clique do rato. No fundo, mais não reflecte que a simples realidade: um instituto que preza pela organização e pela coesa formação de profissionais em diferentes áreas.

E é este grupo bastante unido que arregaçou (mais uma vez) as mangas e preparou uma enorme diversidade de iniciativas com vista a comemorar os 70 anos de existência.

A Sessão Inaugural das comemorações decorreu no passado dia 11 de Janeiro de 2007 no auditório da Reitoria da Universidade de Coimbra. A sala encheu por completo para assistir à Sessão de Abertura e à Conferência de José Paulo Netto (professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro). Para além do ilustre e reconhecido professor, estiveram também presentes Carlos Amaral Dias (Director do ISMT), Seabra Santos (Reitor da Universidade de Coimbra), Henrique Fernandes (Governador Civil de Coimbra), Carlos Encarnação (Presidente Câmara Municipal de Coimbra) e José Henrique Dias (Presidente Conselho Científico do ISMT).

Perante uma plateia bastante jovem, José Paulo Netto fez uma pequena introdução ao Serviço Social actual, alertando para “não se confundir a dimensão política nas práticas profissionais com expressões partidárias.” O professor afirmou ainda “estar na agenda do Serviço Social a necessidade de construir um projecto profissional onde as dimensões éticas e políticas estejam tão ligadas que constituam um componente estrutural das práticas profissionais.”

Por sua vez, Alcina Martins, membro da Comissão das Comemorações dos 70 anos do ISMT, prefere colocar os pés no presente mas o olhar para lá do horizonte: “Devemos construir o futuro com todos e com a comunidade académica, profissional e social onde nos inserimos”.

“Apesar dos seus 70 anos, esta casa é bastante jovem.” Quem o diz é Seabra Santos, reitor da Universidade de Coimbra. E, apesar de parecer um paradoxo evidente, a verdade é que o Instituto engloba toda uma juventude sedenta de informação e conhecimento.

É o prazer em encontrar novos saberes que orgulha Amaral Dias, director do Instituto Superior Miguel Torga. “A Associação de Estudantes, bem como todos os alunos, tem mostrado uma notável cooperação com o Instituto”.

É esta ligação entre o corpo discente e o Instituto que a Associação de Estudantes pretende reforçar. Com um sorriso que verte simpatia e uma postura que reflecte firmeza e saber, Andreia Gonçalves, presidente da AEISMT, não poupa elogios à Instituição. “O ISMT possui muito bons profissionais. A minha pertença ao Conselho Directivo, bem como à Associação de Estudantes cimentou a ideia que tinha de quem aqui trabalha”, afirma. Questionada acerca do maior obstáculo que encontrou durante o seu mandato que este mês termina, Andreia Gonçalves aponta “a pouca comunicação com os estudantes do Instituto, devido, em grande parte, às limitações do espaço físico”.

Com um misto de nostalgia e de dever cumprido espelhado nos seus olhos, a finalista do curso de Serviço Social, fala com orgulho do seu passado e presente nesta casa. O seu papel, bem como dos restantes elementos da AEISMT, foi preponderante na preparação dos eventos a realizar no âmbito das comemorações dos 70 anos do ISMT. “Não sentimos grandes dificuldades na preparação dos eventos”, diz Andreia. “Porém, contei com a grande ajuda da Sara Ribeiro, vice-presidente da AEISMT e também representante da Associação na Comissão dos 70 anos”.

Quando confrontada com o futuro desta Instituição, Andreia Gonçalves responde de forma segura, afirmando que “o Instituto será mais direccionado para a área empresarial acompanhando, desta forma, o modelo de sociedade em que vivemos”.

Ao longo do ano, inúmeros eventos irão decorrer. Iniciada oficialmente com a conferência dada pelo professor José Paulo Netto, esta “maratona cultural” terá todos os meses iniciativas relacionadas essencialmente com o Serviço Social e a sua relação com a sociedade.

Ontem, a título de exemplo, realizou-se uma Aula Aberta no Edifício Azul da Rua Augusta, sobre a edição fotojornalística. Paulo Petronilho, editor do grupo Edimpresa, foi o convidado. Muitas outras se seguirão, com o prévio aviso dos órgãos de Comunicação Social.

Desta forma, a cultura cresce enraizada nas pessoas que dentro de pouco tempo tomarão as rédeas do nosso país. Quer através de um simples estender de mão ou de um cerrar de punhos apoiado na sabedoria apreendida ao longo dos tempos. Porque o Instituto Superior Miguel Torga não forma apenas profissionais de diferentes áreas, mas, acima de tudo, ajuda na construção interior de qualquer ser humano.

Após ter iniciado o texto “roubando” as palavras a Miguel Torga, termino-o com uma citação de Carlos Amaral Dias: “Miguel Torga: um nome que nos honra, um nome que faz a nossa identidade e um nome que faz e fez a história do pensamento português”.

terça-feira, 6 de março de 2007

Não queiras saber de mim

Não queiras saber de mim
Esta noite não estou cá
Quando a tristeza bate
Pior do que eu não há

Fico fora de combate
Como se chegasse ao fim
Fico abaixo do tapete
Afundado no serrim

Não queiras saber de mim

Porque eu estou que não me entendo
Dança tu que eu fico assim
Hoje não me recomendo

Mas tu pões esse vestido

E voas até ao topo
E fumas do meu cigarro
E bebes do meu copo

Mas nem isso faz sentido
Só agrava o meu estado
Quanto mais brilha a tua luz
Mais eu fico apagado

Amanhã eu sei já passa

Mas agora estou assim
Hoje perdi toda a graça
Não queiras saber de mim

Dança tu que eu fico assim

Porque eu estou que não me entendo
Não queiras saber de mim
Hoje não me recomendo

Letra: Carlos Tê
Fotografia:
Geoffroy Demarquet

domingo, 4 de março de 2007

Poema Triste

Posso escrever os versos mais tristes esta noite
Escrever por exemplo:
A noite está fria e tirintam, azuis, os astros à distância
Gira o vento da noite pelo céu e canta

Posso escrever os versos mais tristes esta noite
Eu a quis e por vezes ela também me quis
Em noites como esta, apertei-a em meus braços
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito
Ela me quis e às vezes eu também a queria
Como não ter amado seus grandes olhos fixos?

Posso escrever os versos mais lindos esta noite
Pensar que não a tenho
Sentir que já a perdi
Ouvir a noite imensa mais profunda sem ela
E cai o verso na alma como orvalho no trigo
Que importa se não pode o meu amor guardá-la?

A noite está estrelada e ela não está comigo
Isso é tudo. A distância alguém canta. A distância
Minha alma se exaspera por havê-la perdido
Para tê-la mais perto meu olhar a procura
Meu coração procura-a, ela não está comigo

A mesma noite faz brancas as mesmas árvores
Já não somos os mesmos que antes havíamos sido
Já não a quero, é certo
Porém quanto a queria!
A minha voz no vento ia tocar-lhe o ouvido
De outro será de outro

Como antes de meus beijos
Sua voz, seu corpo claro, seus olhos infinitos
Já não a quero, é certo,
Porém talvez a queira
Ah! É tão curto o amor, tão demorado o olvido
Porque em noites como esta
Eu a apertei em meus braços,

Minha alma se exaspera por havê-la perdido
Mesmo que seja a última esta dor que me causa
E estes versos os últimos que eu lhe tenha escrito.

Poema: Pablo Neruda
Fotografia: Carla Salgueiro

sábado, 3 de março de 2007

Só Penso Nisso

Boca de leão
Olhos de falcão
Faro de outro ser que faz ão ão...
Misturar o ser
A terra e o céu
Até não saber
O que é meu ou teu

Pernas de anarquista
Mãos de carteirista
Boca de sacana a quem ninguém resista
Há-de ser a sós
Será tudo nosso
Até que um de nós
Diga: estou que não posso!

Faço o que quiseres
Até compromisso...
Para não dizeres que eu só penso nisso

Fome de jibóia
Teia de aranhão
Cavalo de Tróia no meu coração
Há-de ser a dois
Dois e mais nenhum
Para que depois
Sejam só dois em um

Faço o que quiseres
Até compromisso...
Para não dizeres que eu só penso nisso

Faço o que quiseres
Hoje ou nem por isso...
Eu sei que tu queres que pense nisso
Eu sei que tu queres que pense nisso

Poema: João Monge
Fotografia:
Lili

sexta-feira, 2 de março de 2007

Goldiewood

“Luzes, Câmara, Acção!” Esta sequência de palavras está presente na memória colectiva de todo um povo que, ao longo dos anos, se foi dedicando à produção e realização de inúmeros filmes de elevada categoria.

Em semana de Óscares, o Diário de Fictícias não faltou à cerimónia e trouxe até si os verdadeiros vencedores das estatuetas douradas.

Melhor Filme:

“Entre Inimigos” – Um remake de um «thriller» que fez grande sucesso na Madeira e em Portugal Continental. Este filme mistura políticos e palhaços, com elementos infiltrados em ambos os lados. O riso é uma componente primordial neste filme que faz um retrato perfeito da sociedade em que nos inserimos. O duro combate entre Alberto Cardinali e José Cicuta irá, com certeza, prender a atenção dos telespectadores. Porém, o final é certo, um será departed.

Melhor Realizador:

Belmiro de Azevedo – O conceituado empresário português tem conseguido, ao longo dos últimos meses, encabeçar um projecto de elevada envergadura no panorama nacional. O filme, mais conhecido por “OPA”, é o primeiro de uma trilogia. Correm rumores de que a segunda saga terá um nome bastante idêntico, alterando apenas numa letra.

Melhor Actor Principal:

José Mourinho – O treinador do Chelsea recebe, pelo terceiro ano consecutivo, a estatueta que só a ele pertence. Desta vez, o prémio deveu-se à sua brilhante interpretação no filme “O Último Rei de Inglaterra”. Este senhor do futebol reagiu à atribuição do prémio de uma forma bastante calma, realçando apenas as suas “gigantescas qualidades como Rei”. Para o ano, José Mourinho já reservou lugar tendo começado a escrever o discurso de vencedor.

Melhor Actriz Principal:

Esmeralda – O seu excelente papel na película “A Rainha” fez com que recebesse o tão aguardado óscar. O filme mistura imagens de ficção com documentais, para reconstituir o modo desadequado como a família biológica lidou com o desaparecimento de Esmeralda. Com toda a onda de comoção que o acontecimento gerou, em contraponto com o Juiz do caso, que tentará gerir a situação com os seus dotes de profissional hábil.

Melhor Argumento Original:

“Uma Família à Beira de um Ataque de Nervos” – É uma tragicomédia, realizada por Soares Franco, que conta a história de uma família completamente disfuncional, que atravessa Portugal numa carrinha para concretizar o grande sonho do seu elemento mais novo, Paulo Bento. A criança só pensa em vencer o campeonato nacional de futebol O pai pretende fazer fortuna como uma espécie de guru motivacional. Os restantes membros são meras marionetas cujos fios ainda são muito frágeis.