sábado, 29 de novembro de 2008

Deolinda - Canção ao Lado

"O seu nome é Deolinda e tem idade suficiente para saber que a vida não é tão fácil como parece, solteira de amores, casada com desamores, natural de Lisboa, habita um rés-do-chão algures nos subúrbios da capital. Compõe as suas canções a olhar por entre as cortinas da janela, inspirada pelos discos de grafonola da avó e pela vida bizarra dos vizinhos. Vive com dois gatos e um peixinho vermelho..."

Deolinda é talvez a banda portuguesa actual que mais raízes vai buscar à nossa música de referência, o fado. A junção perfeita entre as cordas da guitarra e do contrabaixo, aliadas à límpida e assertiva voz de Ana Bacalhau, fazem deste grupo um dos mais promissores do panorama musical português – e por que não dizer que já são uma certeza? Sonoridades como as transmitidas pelos Deolinda são peças de arte que temos de guardar muito bem, limpar com um paninho todos os dias e levar à inspecção nas datas marcadas. Felizmente, e pela maturidade que apresentam, não será necessário todo este cuidado (pelo menos da nossa parte).

Ouvir Deolinda é fechar os olhos, sentar-se num banco de madeira, colocar o braço sobre a mesa, sentir o copo de vinho moldar-se aos dedos e cheirar umas iscas acabadinhas de fazer. Tudo isto numa tasca antiga, com guitarras penduradas na parede e fotografias de pessoas famosas como forma de auto-elogio do senhor de avental.

Ao longo do disco “Canção ao Lado”, de 2008, os Deolinda apresentam várias músicas que nos provocam o excelente movimento pavloviano de carregar no repeat da aparelhagem. Desde o “Fado Toninho” (primeiro single), passando pelo “Movimento Perpétuo Associativo” (música proposta a hino nacional no
site
- “Agora não que falta um impresso” – Haverá frase mais portuguesa do que esta?), terminando com o “Clandestino” que é tudo menos a definição deste álbum… todas as músicas, sem qualquer excepção, marcam de forma irrepreensível a qualidade deste grupo.

Os Deolinda cantam um fado que ri, um fado que dança, um fado que usa roupas garridas e as mostra sem qualquer pudor aos velhos da taberna. Com os cotovelos apoiados no parapeito, os Deolinda cantam à janela de uma casa portuguesa, afinam as vozes enquanto limpam o pó do rádio antigo que está junto ao sofá, choram à noite ajoelhados sobre a cama, acordam de manhã cedo para limpar as escadas a assobiar. O melro por vezes muda de gaiola, nem sempre vai lá ter, arma confusão, mas não deixa de tocar ferrinhos e de alegrar a gente que passa na rua.

A voz de Ana Bacalhau é simultaneamente forte e suave, agressiva e calminha. Tanto nos faz encostar à parede como nos dá uma cama para adormecermos (e ainda nos tapa com o cobertor). Pedro e Luís Martins navegam pela madeira dos trastes da guitarra, simulam acordes, inventam notas já criadas. O contrabaixo de Zé Leitão estende a passadeira aos devaneios musicais de qualquer um que queira sonhar.

E assim se constrói uma banda, um conjunto, um grupo, ou lá o que lhe quiserem chamar. Para mim, são geniais, para eles, apenas Deolinda.

Casting Stars
(onde escrevo semanalmente sobre música)

1 comentário:

Anónimo disse...

fui vê-los à aula magna em Outubro. excelente.