quinta-feira, 11 de janeiro de 2007

Ordem dos (N)otários

O anúncio da Ordem dos Notários mostrando Hitler, Stalin e Churchill como se fossem comparáveis na presença de um notário originou algum sururu, o que, segundo um lugar-comum pouco verdadeiro, seria bom para a campanha pois mais valeria ser-se alvo de má publicidade do que de nenhuma.

Duvido que os notários ganhassem notoriedade positiva ou clientes novos com este anúncio que raia a irresponsabilidade cultural.

Dizem as letras grandes: "Se eles tivessem tido um notário, talvez não tivesse havido guerra" (já agora: a frase podia ser mais simples -- Com um notário, talvez eles tivessem evitado a guerra). O texto continua com uma frase mal explicada: "Mas foram os embaixadores da Alemanha, da União Soviética e da Inglaterra que tentaram impor os interesses dos seus países." Esta frase é uma mistificação confusa sobre o papel dos diplomatas, que sempre tentam defender os interesses dos seus países; pressupõe não só que os diplomatas geraram a guerra mas também que um notário teria obtido um resultado diferente do dos diplomatas (ou ministros? E onde? Quando?). Eu sei que é absurdo tentar justificar a posição contrária à deste anúncio, porque absurdos são os seus pressupostos. Não por colocar uma hipótese alternativa ao passado histórico, mas porque ela não se poder admitida no próprio terreno da história.

A tolice histórica é que os três não eram iguais no (des)respeito pelos tratados assinados, pelo que um notário não teria feito melhor do que os diplomatas. Por outro lado, a confusão da frase impede qualquer compreensão do momento a que se refere. Mas para quem escreveu tanto faz, porque a confusão da frase foi propositada. Eu vejo este anúncio assim: inventa-se uma provocação histórica só para chamar a atenção; o objectivo do texto e da campanha não tem qualquer relação com a provocação histórica; mas o facto de ela ser usada obriga a uma "explicação" mínima da mesma. Daí a frase sobre os embaixadores e daí que até ao fim do longo texto se não volte a falar do exemplo "histórico" escolhido, mas apenas das vantagens do recurso aos notários.

A mesma irresponsabilidade cultural repete-se num anúncio com as fotos, lado a lado, de um índio e de um cowboy. Diz a frase: "Quando há um notário, não ganha o mais forte. Ganham os dois." Eu diria que isso depende do acordo a que chegam... com o acordo de ambos, incluindo o mais fraco. Com a presença do notário, a vitória do mais forte apenas é legalizada. E foi isso, aliás, o que sucedeu com os índios e os cowboys, isto é, os brancos: com ou sem notário, os índios teriam sido dizimados e despachado para "reservas". Além dos desmandos de cowboys, houve uma política de Estado em Washington prejudicial aos índios, e essa política foi legal. Quer dizer, ganhou a lei, como diz o anúncio, mas não ganharam os dois, que é o que ele diz também. Daí que a irresponsabilidade cultural desta campanha, resultante duma criatividade apressada e incompetente, seja, a meu ver, prejudicial para os notários.

Teria sido mais interessante salientar pela linguagem publicitária, em palavras e imagens, o que se deixou para os últimos parágrafos dos anúncios: "Actualmente o notário é um profissional liberal. (...) Os recursos tecnológicos de que dispõem permitem aos notários prestar os seus serviços com grande rapidez e eficácia"; os preços dos notários são tabelados; o notário é "actualmente (...) um consultor imparcial". Qualquer destas informações é mais desconhecida e importante do que as referências pseudo-históricas indutoras da ideia da imparcialidade dos notários, há muito estabelecida. E a extensão dos textos? Para a próxima os notários precisam de quem lhes faça umas escrituras mais pequenas!

Eduardo Cintra Torres

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