segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Cds com perna de pau e olho de vidro

O Capitão Gancho da Internet

Navegando pelos misteriosos mares do Ciberespaço, os piratas vão de encontro aos inimigos, pilhando os seus bens, sem qualquer moral. Em busca do local marcado pelo X, estes prisioneiros do teclado e com a bandeira negra da ilegalidade atravessam mares e oceanos sem fim. Contudo, há aqueles que, apesar de viajarem neste barco, não cometem algum crime.

"ATENÇÃO – A GNR-BT, nos auto-stops, começou a fiscalizar os cds piratas que temos no carro. Se os cds não forem originais ou então se não possuirmos aquele que deu origem à cópia, a viatura pode ser apreendida e sujeitamo-nos às respectivas sanções. Retirem urgentemente os cds piratas do carro, não vá o diabo tecê-las”.

Foram estas as palavras que circularam por inúmeras caixas de correio electrónico desde o final do ano passado.

O espanto foi geral e as incertezas em relação à veracidade do e-mail foram bastantes. Porém, tudo não parece ter passado de uma mera brincadeira.

Com a questão dos direitos de autor cada vez mais abordada na nossa sociedade, não é de estranhar todas as tentativas para os proteger. A cópia de qualquer objecto possuidor de direitos de autor para muitos não é moralmente aceitável, contudo, a lei esclarece de forma mais límpida toda esta questão.

De acordo com a Lei – Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos Artigo 81º – “é consentida a reprodução: a) Em exemplar único, para fins de interesses exclusivamente científico ou humanitários, de obras ainda não disponíveis no comércio ou de obtenção impossível, pelo tempo necessário à sua utilização; b) Para uso exclusivamente privado, desde que não atinja a exploração da obra e não cause prejuízo injustificado dos interesses legítimos do autor, não podendo ser utilizada para quaisquer fins de comunicação pública ou comercialização”.

Ou seja, se alguém copiar um cd e o utilizar apenas para uso privado – ouvir em casa, no carro – não há qualquer tipo de infracção. Agora, a posse anormal de diversas cópias, preparadas para serem comercializadas, aí sim, é ilegal.

Muitos são os autores que se sentem injustiçados com as cópias das suas obras, desde livros a cds de música, passando também pelos dvds e por muitos outros conteúdos. Actualmente, talvez seja mais visível a reprodução de obras musicais, essencialmente cds, uma vez que o acesso é mais facilitado. A Internet, que curiosamente serviu de transmissor desta mensagem de alarme, é o meio mais utilizado pelos ditos “piratas” para tomar posse dos “navios alheios”.

“Claro que senti algum receio ao ler o e-mail, mas duvidei da sua veracidade, visto que seria totalmente impossível apreender todos os cds copiados”, afirma João Silva, residente na zona de Celas.

Por outro lado, António Rodrigues não se mostrou surpreso ao ler o e-mail. “Já se esperava uma intervenção destas por parte das autoridades competentes”, afirma. “Os músicos, já pela sua profissão, não são muito respeitados. Pior acontece quando copiam o seu ‘ganha-pão’, impedindo-os de obter os lucros merecidos”.

Toda esta questão da reprodução dos cds levanta muitas outras que bailam pelo nosso salão cerebral. As novas tecnologias, espelhadas neste sexto continente que é a Internet, permitem um fácil acesso a inúmeros conteúdos de terceiros.

Várias posições são tomadas pelos próprios músicos. Se, por um lado, os Metallica processaram o Napster – programa de descarregamento de ficheiros, essencialmente músicas – por ver as suas obras difundidas livremente pela Internet, os Foo Fighters optaram por uma diferente perspectiva. “Não me importo que copiem os cds, desde que saibam as nossas músicas e gostem de nós”, afirma Dave Grohl.

No relatório de 2007 da Digital Music Report, a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI) anunciou o desejo de aumento de vendas da música digital. A IFPI informou, ainda, que as vendas de música digital estão muito próximas de representar um quarto de todo o facturamento do sector no mundo em 2010.

"Eu gostaria de anunciar que a queda nas vendas de cds está a ser compensada por um aumento na mesma proporção ou maior nas receitas online e móveis. Mas isso ainda não acontece numa escala global”, afirma John Kennedy, presidente-executivo da entidade.

As vendas de música caíram 4% no primeiro semestre de 2006 devido à pirataria e competição pelos gastos dos consumidores. O relatório afirma que os internautas fizeram no ano passado 795 milhões de downloads legais de músicas, um crescimento de 89% em relação a 2005. Os downloads foram feitos de quase 500 serviços de canções digitais disponíveis em 40 países.

Ter músicas no iPod não é ilegal. Ilegal é tê-las sem ter comprado os seus direitos, através da compra do cd ou da aquisição da música na Apple Store, por exemplo. Mas a GNR não pode, sem um mandato, exigir a apresentação dos originais.

Fiscalização de “pirataria”

O dever da prova está do lado de quem acusa, não do lado de quem é acusado. A constatação que os cds são copiados não é suficiente para provar que são ilegais. Compete às entidades competentes provar que a cópia é ilegal, e não ao contrário.

Segundo fontes oficiais, a fiscalização de “pirataria” não está no âmbito da Brigada de Trânsito, mas sim no das Brigadas Territoriais que trabalham em conjunto com a Inspecção-Geral das Actividades Culturais.

Apesar de não ter passado de um simples e-mail inocente, não quer dizer que os automobilistas não possam vir a ser alvo de medidas mais apertadas no que respeita à cópia de cds. Resta saber de que forma as autoridades poderão provar a ilegalidade das possíveis cópias. Um simples telemóvel possui músicas e programas que podem ser descarregados da Internet. Contudo, alertam-se todos os “Capitães-Gancho” para o pior. Mais tarde ou mais cedo, o relógio que se encontra na boca do crocodilo pode mesmo rebentar. A não ser que nos encontremos na “Terra do Nunca”. Tic-tac, tic-tac, tic-tac…

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