sábado, 26 de abril de 2008

O que o 25 abriu...

Cheguei agora a casa. Provavelmente muitos dirão que não são horas para chegar a casa. Amanhã, talvez, terei de me levantar cedo e, não só chego tarde a casa, como ainda vou escrever um texto para colocar no meu blogue. Não cabe na cabeça de ninguém. Muito menos na minha, de tão pequena que é para ser ocupada com coisas triviais como esta: chegar ou não chegar tarde a casa. Um pensamento digno de Hamlet, talvez. Porém, a personagem de Shakespeare que mais se adapta ao tema que pretendo abordar é Otelo. Contrapondo todos os que me possam criticar, haverá, certamente, muita gente que se regozija pensando que um jovem como eu foi festejar o grandioso dia que foi o 25 de Abril de 1974.

Perdoem a minha sinceridade e a displicência com que fui apenas beber um copo com um amigo, sem sequer levar um cravo no bolso do casaco. E não, não coloquei nenhum cd do Zeca Afonso no carro. Muito menos do Manuel Freire, do Fernando Tordo, do Adriano ou do Fausto. Não porque não goste deles, antes pelo contrário! Admiro-os, venero-os como músicos e cantores que o foram, e alguns deles ainda o são, de um povo enorme e único como o português!

Para quê apenas recordar a “Tourada” do Ary ou a “Grândola” do Zeca no dia 25 de Abril? Ao contrário da esmagadora maioria das pessoas que neste dia cerra o punho e grita liberdade, eu oiço estas músicas nos restantes dias do ano. Tal como oiço Metallica ou Rammstein, também oiço a “Trova do Vento que Passa” e a “Pedra Filosofal”. Mas sim, para quem não sabe e vive apoiado na sua mão esquerda com um poster do Che Guevara no quarto enquanto fuma um ou outro charuto (cubano, de preferência) há outros dias no ano para além dos dias em que há manifestações e daquele que existe entre o dia 24 e o dia 26 de Abril.

No entanto, parece que Portugal pára para recordar este heróico dia. Não estou a criticar esta mobilização dos cravos – nem dos escravos –, esta invasão de chaimites blindadas em todos os meios de comunicação social, longe de mim! Aliás, até concordo com o relembrar de todas estas memórias. O que me preocupa é a forma como estas lembranças são recordadas.

Eu tenho a plena noção histórica daquilo que foi a Revolução dos Cravos. Digo histórica porque, feliz ou infelizmente, não a vivi como os meus pais ou os meus avós a viveram. Não fui um dos combatentes da liberdade que lutou bravamente contra a falta desta durante o regime fascista existente até então.

Mas sempre que se aproxima este dia, lembro-me do Natal. Não que exista alguém que se assemelhe ao Pai Natal e distribua prendinhas por todas as crianças. Quer dizer, talvez o Álvaro Cunhal, que até vestia de vermelho e tudo… Mas é uma mera coincidência. Nesta altura lembro-me da época natalícia porque são sempre as mesmas pessoas a falar na televisão, os mesmos filmes a rodarem em horário nobre, as mesmas músicas a ecoarem-nos nos ouvidos. Eu até gosto de ver o “Sozinho em Casa”, rir-me com o Mr. Bean e ouvir o Jingle Bells, mas chega a uma altura em que cansa.

Há que exaltar os valores atingidos através da Revolução, mas, na minha opinião, esta exaltação contínua só nos encaminha para dentro de nós próprios. Isto é, parece que lembramos com saudade os tempos em que vivíamos “orgulhosamente sós” com Salazar, em que a PIDE nos pegava pelos colarinhos e nos mandava para os calabouços do Tarrafal, em que nos apoiávamos sob a mão protectora do Presidente do Conselho… E que conselhos estas pessoas nos dão a nós, juventude que não sabe o que é viver aprisionada pelos grilhões de um regime? Atiram-nos com documentários a preto e branco e com espectáculos cujas figuras principais são, nem mais nem menos, do que os velhos?

Uma vez mais realço a minha extrema admiração por estes “velhos”, mas o que critico é a forma como o 25 de Abril tem vindo a ser contado aos “novos”. Quem diz o 25 de Abril, diz a política em geral. Ontem, o nosso presidente da República criticou mesmo a forma como os políticos se têm comportado, criando uma espécie de barreira entre a juventude e a política E, do meu ponto de vista, Cavaco Silva tem razão. A confiança depositada nos nossos estadistas tem sido gradualmente destruída pelo trabalho, ou falta dele, que estes têm desenvolvido.

Talvez seja esta a razão de recordarmos tanto o 25 de Abril de 1974. Não porque queremos regressar ao fascismo, mas porque sentimos falta de um ideal forte por que lutar. Encontrámos esse ideal e soubemos lutar por ele, mas… e depois? Tal e qual um jogador que finta todos os jogadores mas depois não sabe como há-de rematar à baliza. E ali fica, eternamente, até que lhe surja uma ideia e a coloque em prática ou então espera que o guarda-redes lhe tire a bola.

Lutámos pela liberdade, derrubámos o regime, gritámos nas ruas, abraçámo-nos… e agora? É este enorme ponto de interrogação que tem incomodado os portugueses. Aliado a muitos outros (por exemplo, será que D. Sebastião ainda nos virá salvar?) a nossa vida baseia-se numa curva sobre um pontinho minúsculo. A curva são as nossas incertezas, o ponto é o que nos falta. Andamos numa constante espiral procurando o porquê de tantos gritos de liberdade e de “povos unidos”. Damos voltas e mais voltas, mas voltamos sempre ao mesmo local.

Hoje em dia, não há um “aproveitamento” real do 25 de Abril. Aconteceu, foi óptimo, foi uma libertação! Nada contra. Mas… como utilizar esta liberdade para nos expandirmos em direcção a outras liberdades? Será que esta pela qual muitos compatriotas nossos deram a vida serviu apenas para podermos recordar constantemente o que se passou? Utilizemos esta liberdade para pensar, para criar, para imaginar, para evoluir!

Vamos dar novas liberdades ao mundo, ou pelo menos a este nosso país cujas pessoas só se sabem queixar do aumento dos impostos e das medidas mais ou menos acertadas de qualquer que seja o governo!

Passe a concordância do predicado com o complemento, a sociedade somos todos, e a liberdade não serve apenas para podermos criticar à vontade com bandeiras vermelhas e rastas mal lavadas. A liberdade serve para andar para a frente, avançar com inteligência, inventar novas formas de vivermos melhor!

Apesar de não ter escrito nada de novo, é essencial que olhemos para a nossa História de uma forma inteligente e astuta. Ok, adquirimos a liberdade, agora vamos utilizá-la! E não continuar, apenas, a cantá-la e a transmiti-la em filmes e programas sem pachorra.

Hoje, é verdade, eu cheguei tarde a casa. Mas há quantos anos anda o nosso país a chegar tarde?


Texto: André Pereira
Imagem: Direitos Reservados

7 comentários:

Anónimo disse...

Gostei.Aliás,gosto do teu blog e da forma como escreves.Continua!

Passa no meu!

http://giraldo-sem-pavor.blogspot.com

bjo

Unknown disse...

Grande texto, André!
Pois é, o problema do nosso povo, e é um problema histórico, é que passa a vida a olhar para trás...mesmo quando quer progredir. Gasta o seu tempo criticando o presente (que não está bom, de facto), exaltando o passado, mas sem perspectivas e garras de futuro. E assim vai definhando, ficando cada vez mais corcunda...envelhecendo.
Por isso, textos como o seu são importantes Continue! Parabéns!
Beijinhos da ex- professora que olha para trás, mas que não esquece que é nos seus ex-alunos que está o futuro!
Maria Pinto

Anónimo disse...

Texto obrigatório, digno de um aplauso. Parabéns.

Anónimo disse...

Foi a primeira visita que fiz ao blog e gostei. Boa e inteligente prosa. Vou voltar.

Anónimo disse...

frase cliché: "tenho medo que a liberdade se torne um vício"... neste caso já é viciante não sabermos o que fazer com ela... (nós=sociedade)
Mas de que adianta criticarmos as pessoas que também criticam tudo e nada fazem?! Nós fazemos??

Beijocas gajo.

André Pereira disse...

Obrigado por todos os comentários. Aqui, temos liberdade de dizer o que pensamos!

Voltem sempre!

Beijinhos e abraços

Carlos Gil disse...

linkei no 'on the road again'. linkei porque gostei, mas fazendo a ressalva etária, qu'as emoções foram-nos obviamente diferentes